Nestas duas entrevistas, os
professores Andrew Zimbalist e Robert Baade, respectivamente, falam em detalhe
sobre o real impacto econômico das Olimpíadas e da Copa do Mundo no Brasil e os
resultados em diversos países que já foram sede destes eventos.
O Professor Andrew Zimbalist trabalha no Departamento de Economia do
Smith College, em Massachussets, nos Estados Unidos. Ele é uma autoridade
reconhecida mundialmente na área da economia esportiva e um especialista
independente que analisa o impacto econômico do turismo esportivo em geral, do
sediamento de mega-eventos esportivos e da construção de diversos tipos de
infra-estruturas esportivas. O economista tem mais de vinte livros publicados e
já contribuiu para inúmeras publicações acadêmicas, com artigos e estudos nas
áreas de sistemas econômicos comparativos, desenvolvimento econômico e economia
de esportes. O professor Zimbalist faz parte do conselho editorial de diversas
publicações científicas dentro da área da economia. Seus artigos e opiniões
também já foram publicados em alguns dos meios de comunicação mais importantes,
reconhecidos em todo o mundo, incluindo o New York Times, o Washington Post e o
jornal USA Today. O economista já testemunhou para várias comissões
governamentais sobre diversos temas, tais como o impacto econômico dos
subsídios públicos nas construções de infra-estruturas esportivas. Em inúmeras
ocasiões, testemunhou para o congresso norte-americano. Nesta entrevista, o Dr.
Zimbalist fala em detalhe de muitas destas questões, incluindo o real impacto
econômico das Olimpíadas e da Copa do Mundo no Brasil e os resultados em
diversos países que já foram sede destes eventos.
O economista Robert Baade é professor de Economia e Finanças na Lake
Forest University (estado de Illinois, nos Estados Unidos). Ele é reconhecido
internacionalmente na área da economia esportiva. Sua pesquisa tem como foco
uma variedade de temas relacionados com as finanças públicas, com as
consequências econômicas do sediamento de megaeventos esportivos, bem como a
economia referente ao esporte profissional. Seus estudos podem ser encontrados
em diversas publicações academicas na área da economia. Baade também já foi
citado extensivamente por diversas fontes de notícias de renome, incluindo o
New York Times, o Huffington Post e o
canal de notícias NBC. Seu artigo “The Quest for the Cup: Assessing the
Economic Impact of the World Cup” vai ser publicado no livro Megaproject
Planning and Management: Essential Readings.
Pergunta Blog: Eventos esportivos
como a Copa do Mundo e as Olimpíadas são taxados como chamarizes para milhares
de turistas, e se os visitantes têm experiências positivas, a tendência
continua no futuro. O que a pesquisa realmente demonstra em relação às cidades
que já sediaram esses eventos?
Andrew
Zimbalist: O que acontece com frequência durante os Jogos Olímpicos e a Copa do Mundo é que os
turistas regulares, que viriam visitar o país num ano em que tais eventos
esportivos não estivessem ocorrendo, acabam evitando ir para aquele lugar. Na
realidade, os turistas das Olimpíadas e da Copa do Mundo muitas vezes
substituem e interrompem os fluxos turísticos habituais de uma localidade. Além
disso, em muitas cidades, um número significativo de residentes locais acaba se
deslocando para outros lugares, para não lidar com o incômodo ocasionado pelo
evento. O número de turistas que saíram da China em 2008, por exemplo, aumentou
significativamente. Muitos turistas e muitos moradores locais não querem lidar
com o trânsito, com áreas congestionadas, com as questões relacionadas com a
segurança e com os preços elevados. Portanto, não é incomum que o montante
total do turismo tenda a diminuir durante os Jogos Olímpicos e a Copa do Mundo.
Em geral, se observarmos exemplos recentes, é difícil esperar um aumento
líquido significativo no número de visitantes em um país durante a Copa do
Mundo ou as Olimpíadas. O número de turistas que se encontrava em Londres durante
os Jogos Olímpicos em julho e agosto de 2012, por exemplo, foi menor do que o
que se encontrava no ano anterior, quando não houve nenhum mega-evento
esportivo. E a mesma tendência vem sendo observada em vários outros países e
cidades que foram sedes. Existem alguns exemplos de um pequeno aumento de
turismo, mas é insignificante. O ponto mais importante é que um aumento
significativo do turismo na verdade não ocorre.
Pergunta Blog: Quando Atlanta sediou
os Jogos Olímpicos em 1996, a cidade fez algumas mudanças importantes na
infraestrutura do seu sistema de transporte regional e também construiu a Vila
Olímpica, que eventualmente foi utilizada como dormitório para estudantes de
uma universidade local. Durante o mesmo período, o reconhecido Centennial Park,
um grande espaço público, também se tornou um legado duradouro para a população
daquela cidade. O Brasil tem exemplos de projetos de infraestrutura que
poderiam ter um legado duradouro e de importância para os seus cidadãos após o
término destes eventos esportivos?
Andrew
Zimbalist: Estou seguro de que alguns dos investimentos feitos nas áreas do transporte, do
desenvolvimento de estradas e na expansão dos aeroportos terão certa utilidade,
mas apenas uma pequena parcela deles! Seria importante lembrar que estamos
falando aqui de gastar uma soma que pode rondar uns 15 a 20 bilhões de dólares
por cada um desses eventos, e isso é um dispêndio impressionante de recursos. A
questão não é realmente se um país consegue 15 bilhões de dólares em melhorias
a longo prazo nas diversas infraestruturas que estão sendo construídas, porque
eu duvido muito que isso ocorra. Na verdade, a questão mais importante é o
quanto se estará desperdiçando ao gastar essa quantia exorbitante. Por que
alguém precisa gastar 40 bilhões na Copa do Mundo e nos Jogos Olímpicos, a fim
de obter 15 bilhões em melhorias de infraestruturas em um país que é afligido
por escassez de recursos, poluição, pobreza e níveis grotescos de desigualdade?
Por que estamos desperdiçando cerca de 10 a 15 bilhões de dólares na construção
de infraestruturas esportivas para esses eventos que, no final das contas, não
serão produtivas ou não terão qualquer utilidade para a maioria da população e
para o desenvolvimento do país? Por que um país precisa gastar entre 15 a 20
bilhões em cada um desses eventos para obter um parque público ou um calçadão
para as pessoas caminharem no seu dia de lazer? De fato, essas sim são as
grandes e verdadeiras questões que devem ser abordadas.
Pergunta Blog: Em sua opinião, quais
serão as consequências econômicas para o Brasil ao sediar estes eventos?
Andrew
Zimbalist: Em geral, a pesquisa sobre esta questão indica que é muito difícil obter
benefícios econômicos com esse tipo de investimentos. A única chance de obter
algum retorno financeiro que possa cobrir as despesas ocorre quando o país que
sedia tais atividades tem a capacidade de planejar adequadamente. Ao mesmo
tempo, isso significa começar com um plano de desenvolvimento que venha de fato
a ser implantado, independente da possibilidade de o país sediar o evento ou
não. É muito importante que os organizadores tenham esse conceito imbuído desde
o começo, e esse deve ser o ponto de partida. Desta forma, o país escolhido
deve determinar até que ponto sediar a Copa do Mundo ou as Olimpíadas pode
complementar e apoiar o plano de desenvolvimento original que já estava em
curso. De fato, a maioria dos países não tem feito isso e, por conseguinte,
está condenada a fracassar. Na verdade, muitos destes países não têm um plano
de desenvolvimento que tenha sido elaborado antes de serem escolhidos para
sediar estas competições. Em contrapartida, meramente almejam promover estes
eventos a qualquer custo e estão dispostos a seguir quase todas as diretrizes
que são impostas. Em consequência disso, ao serem escolhidos para assumir tais
responsabilidades, ficam à mercê do que o COI e a FIFA lhes ditem. Perante tal
situação de subserviência, o país acaba gastando bilhões de dólares que são
completamente desperdiçados e que, na verdade, poderiam ser de extrema
importância para muitos destes países
que têm dificuldades econômicas e problemas sociais. Acredito que o Brasil é
mais uma nação que se encontra à mercê deste tipo de relacionamento prejudicial
com essas duas entidades muito poderosas.
Pergunta Blog: Você poderia explicar
as razões pelas quais você acredita que o Brasil se enquadra nessa categoria?
Andrew
Zimbalist: Fico perplexo quando tomo conhecimento de que alguns dos planejamentos de
transporte público envolvem, a título de exemplo, uma rota de ônibus rápida
percorrendo o trajeto de Ipanema até a Barra. Qual é o propósito dessa rota?
Fica claro que essa rota visa meramente o transporte dos turistas da praia de
Ipanema para a Vila Olímpica. E com o exemplo descrito, é evidente que a principal
prioridade deste projeto é atender os turistas que estarão no país por um tempo
muito curto durante este evento esportivo específico. Assim sendo, é um total
desperdício de recursos. Qualquer plano a longo prazo que tenha maior
importância para o desenvolvimento das necessidades de transporte dos cidadãos
brasileiros não é uma prioridade. Eu acredito que o Brasil possui muitos
problemas sociais que ainda não receberam a atenção devida. Além disso, os
turistas estrangeiros estão cada vez mais conscientes da violência e da
repressão que ocorrem em muitas das grandes cidades brasileiras. Os mesmos
também ficaram muito mais a par da ineficiência e da corrupção em diversos
setores governamentais, e eu não vejo como todos estes elementos possam gerar
uma imagem positiva do país perante a comunidade internacional. E ainda, além
de todas estas questões, há greves que estão ocorrendo, bem como um movimento
forte de protestos populares contra os gastos extravagantes resultantes de o
Brasil sediar esses eventos. Portanto, eu tenho uma visão pessimista e não
acredito que haja qualquer chance de que o sediamento desses eventos venha a
afetar o Brasil de forma positiva. Nenhuma parte do processo de planejamento
foi executada de forma eficaz, como se constata com os atrasos dos diversos
projetos ainda em construção. Existe a crença entre os países dos BRICS de que,
ao sediar estes megaeventos esportivos, o seu status de potência mundial será
confirmado. De fato, não temos nenhuma prova de que isso tenha ocorrido com
qualquer um dos países que sediaram tais eventos, e a verdade é que esta crença
é um pouco ridícula e até mesmo patética.
Pergunta Blog: Muitos dos governos
que sediam megaeventos esportivos geralmente contratam instituições
específicas, públicas e privadas, para difundir pesquisas que apresentam um
quadro favorável em relação aos benefícios econômicos trazidos para o país.
Qual é a sua opinião sobre esses estudos e sobre a validade dos trabalhos
produzidos por essas entidades?
Andrew
Zimbalist: Desde o começo, já se estabelece um acordo problemático quando a agência que sedia os
eventos emprega uma empresa de consultoria para fazer um estudo que não possui
qualquer fundamento objetivo. Em tais casos, a maior parte desses estudos está
sendo financiada para chegar a uma determinada conclusão, que é a promoção do
evento. Fica, portanto, muito claro que os países que sediam estes eventos
empregam diversas pessoas para realizar estudos que demonstrem seus benefícios
econômicos. Na verdade, as conclusões dessas pesquisas são demasiadamente
otimistas e irreais. Houve até um caso em Londres onde um conhecido meu, que é
economista, recebeu, antes das Olimpíadas, uma proposta da comissão
organizadora de Londres para fazer um estudo sobre o impacto econômico do
evento. O comitê havia afirmado que antecipava severas críticas da opinião
pública aos gastos econômicos que poderiam decorrer dos jogos e que, portanto,
queria ter a capacidade de responder a tais críticas com um estudo que
mostrasse seus benefícios econômicos. Na verdade, esse exemplo que acabei de
dar é muito comum nos diversos locais que sediaram estes eventos esportivos.
Pergunta Blog: Quais são alguns dos
problemas da metodologia empregada por parte dos estudos feitos por economistas
contratados para apontar quadros econômicos favoráveis decorrentes da
responsabilidade de sediar tais eventos?
Você poderia apontar alguns artifícios ou técnicas utilizadas por eles a
fim de projetar um quadro econômico favorável?
Andrew
Zimbalist: Estes pesquisadores fazem projeções com um número excessivo de turistas
frequentando tais eventos esportivos, que estão fora da realidade. Também
estimam que os mesmos turistas gastarão muito mais dinheiro do que de fato
ocorre, e depois empregam um multiplicador inflado irreal. Desta forma, eles
acabam obtendo resultados que apontam para um maior impacto econômico, mas que
não são reais.
Pergunta Blog: Quais são os
incentivos que estão por trás da pesquisa conduzida por alguns economistas como
você?
Andrew
Zimbalist: O nosso maior objetivo e incentivo é simplesmente descobrir qual é o
impacto econômico de tais eventos, seja ele positivo ou negativo, em vez de
tentar incutir um resultado qualquer. Estamos apenas tentando entender a
dinâmica da situação. Nós não estamos sendo pagos por nenhum lado para chegar a
uma conclusão especifica.
Pergunta Blog: Novos estádios foram
construídos em Brasília, Cuiabá e Manaus. Algumas destas cidades não possuem
grande tradição futebolística e sequer têm equipes na primeira divisão ou uma
base significativa de torcedores. Estes fatos aumentam a preocupação de que
algumas dessas construções se tornem elefantes brancos. Você poderia comentar
sobre esta questão?
Andrew
Zimbalist: Sim. Estou ciente de que algumas dessas cidades não têm sequer uma equipe na
primeira ou na segunda divisão. Eu realmente não entendo por que alguém iria
construir um estádio com capacidade para 42.000 espectadores em uma cidade onde
não há grandes times de futebol e que, para começo de história, ao longo de um
determinado ano não irá nem mesmo atrair 1.000 ou 2.000 espectadores por cada
jogo. Por que esses estádios ultramodernos estão sendo construídos com cadeiras
cativas, camarotes, espaços excessivos para publicidade e vestiários luxuosos?
Não há nenhuma justificativa e não faz sentido gastar centenas de milhões de
dólares em alguns desses estádios, quando durante a maior parte do tempo
ninguém vai fazer uso deles. O contribuinte terá de arcar por vários anos com
os custos desses megaprojetos e com os custos operacionais envolvidos em manter
esses estádios funcionando no seu dia-a-dia, após o término das Olimpíadas e da
Copa do Mundo. E esse dinheiro nunca mais será recuperado. Eu acredito que isso
será um problema que muitas cidades, como Cuiabá, Manaus, Brasília, e outras
terão de enfrentar. Às vezes, confuso e sem entender, fico tentando compreender
o que alguns desses planejadores estavam pensando quando esses projetos
começaram a vir à tona.
Pergunta Blog: Muitos jogos
acontecerão em localidades distantes e o custo de viajar dentro do Brasil é
alto. Qual será o impacto disso para o turismo e para essas cidades?
Andrew
Zimbalist: Viajar pelo Brasil é muito caro. Eu suponho que muitos dos turistas vão viajar e se
concentrar somente na região sudeste do país, Rio e São Paulo. Eu não acho que
eles vão viajar por todo o país. Mesmo que esses turistas visitem outras
localidades, não está claro se eles ajudarão o turismo a longo prazo. De certa
forma, os turistas de esportes são um grupo peculiar, que realmente não presta
muita atenção às atrações arquitetônicas ou culturais, e geralmente se
concentra exclusivamente nos seus eventos esportivos preferidos. A construção
dos estádios em alguns desses lugares foi uma estratégia mal concebida. Se o
país tivesse realmente um plano sólido para a Copa do Mundo e se estivesse
interessado em reduzir custos, deveria ter se focado em fazer melhorias em
estádios já existentes nos mercados de esportes de maior importância do país.
Além disso, se tivessem limitado os jogos da Copa dentro dessa região, o custo de
viajar pelo país ficaria muito mais em conta e o clima seria certamente mais
favorável para as partidas de futebol.
Pergunta Blog: Quem realmente se
beneficia com o sediamento desses megaeventos esportivos?
Andrew Zimbalist: Eu acho que as empresas de construção e
seus aliados são os principais beneficiados. Outros elementos que se beneficiam
destes megaeventos são alguns bancos de investimento que flutuam os títulos
para financiar esses projetos e, é claro, os burocratas que lidam com muitos
dos contratos.
Pergunta Blog: E o que você tem a
dizer sobre o exemplo dos Estados Unidos e da Alemanha, que sediaram
megaeventos esportivos bem-sucedidos?
Andrew
Zimbalist: No caso de Los Angeles, as Olimpíadas não foram muito dispendiosas. Eles
só tiveram que construir algumas instalações, e o diretor das Olimpíadas de Los
Angeles, Peter Ueberroth, obteve das empresas privadas o dinheiro para
construir as instalações, e com isso não tiveram que usar dinheiro público.
Peter Ueberroth também introduziu um novo modelo para adquirir recursos dos
setores privados para patrocínios, que foi considerado muito bem-sucedido, e
acho que a combinação desses fatores fez com que eles fossem capazes de gerar
um pequeno excedente, algo em torno de 215 milhões de dólares decorrentes dos
jogos de 1984. Quanto à Copa do Mundo na Alemanha, pode ter havido um pequeno
efeito positivo em determinadas regiões que sediaram as partidas,
principalmente no que diz respeito ao emprego, mas não no que diz respeito ao
valor da massa salarial. E isso se deu principalmente pelo fato de eles terem
feito uso de instalações que já existiam. Assim sendo, não foi necessário fazer
quaisquer investimentos significativos em termos de infraestrutura.
Pergunta Blog: Qual é a sua opinião
sobre o caso de Barcelona, que é apontado por muitos como um exemplo de sucesso
e de como tais eventos podem trazer benefícios econômicos para uma cidade?
Andrew
Zimbalist: As Olimpíadas tiveram uma pequena contribuição para o desenvolvimento de
Barcelona, porém de nenhuma maneira podemos dizer que a contribuição foi
significativa ou que o renascimento da cidade foi ocasionado por ter recebido
tal evento. Uma série de outros fatores, tais como a entrada da Espanha no
mercado comum da União Europeia e a desregulamentação do setor aéreo, também
contribuíram para o progresso da cidade. Também é importante observar que o
crescimento econômico de Barcelona foi semelhante ao de outras cidades
europeias durante o período posterior às Olimpíadas. Além disso, Barcelona já
tinha algumas “cartas na manga” que não haviam sido exploradas pelo turismo,
mas que estariam prontas depois de um pouco de trabalho. Devemos também levar
em consideração alguns fatos históricos sobre a cidade. Por exemplo, Barcelona,
bem como toda a área da Catalunha, havia sido amplamente negligenciada durante
a ditadura de Franco, e a região estava pronta para conseguir alguma espécie de
desenvolvimento após a sua morte, especialmente a parte da cidade que se
encontrava separada do mar por uma área de armazéns, fábricas e ferrovias. De
fato, entre muitas iniciativas no grande plano para mudar Barcelona, que teve
início no final dos anos 70, havia o projeto de abri-la para o mar. Esse plano
já tinha sido traçado antes das Olimpíadas, e quando a cidade ganhou o direito
de sediar os Jogos Olímpicos, os planejadores fizeram as necessidades do evento
olímpico complementarem as necessidades do plano que já estava em curso. Assim
sendo, os Jogos Olímpicos foram feitos para cooperar com esse plano e trazer
benefícios para a cidade, e não para a cidade cooperar com as Olimpíadas.
Portanto, a dinâmica dessa relação, caracterizada pelo fato de Barcelona já ter
um plano de desenvolvimento anos antes de ter sido escolhida para sediar os
Jogos Olímpicos, foi de extrema importância para seu progresso. Na verdade,
poucas cidades que sediam esses eventos têm um plano de desenvolvimento
preexistente, como o que foi exibido lá.
Pergunta Blog: Em um de seus
artigos, você mencionou que os organizadores brasileiros haviam desistido da
ideia da criação de um novo terminal no aeroporto internacional de São Paulo
antes da Copa do Mundo e que, como alternativa, iriam contar com módulos
temporários para lidar com um maior número de turistas. Você advertiu que tais
ações eram exatamente o que os países que sediam tais eventos precisavam
evitar. Você poderia explicar sua opinião sobre esta questão para os nossos
leitores?
Andrew
Zimbalist: O ponto crucial nesta questão é que quando se estão gastando centenas
de milhões ou bilhões de dólares para construir uma infraestrutura para tais
eventos, deseja-se que ela seja duradoura e que tenha utilidade após o término
dos mesmos. Se forem construídos módulos temporários, então eles não vão ter
qualquer utilidade após a conclusão dos eventos e serão removidos. Portanto,
tem-se a despesa de montá-los, a despesa do material envolvido na construção
dos módulos e o custo para desmontá-los, e no final não se fica com nada. É um
exemplo nítido do desperdício dos recursos públicos e um grande exemplo da
falta de planejamento adequado. Acredito que deveria haver um planejamento
prévio e com prazo suficiente para que as coisas pudessem ser feitas da maneira
certa, evitando assim uma situação em que se tenha de arquitetar módulos
provisórios que eventualmente não terão qualquer utilidade. Em suma, toda a
infraestrutura de transporte que está sendo construída deveria ter utilidade a
longo prazo, para as próximas décadas. Módulos temporários economizam recursos
a curto prazo, porque não se estão edificando estruturas permanentes, mas o
investimento financeiro para construí-los é completamente desperdiçado.
Pergunta Blog: Segundo o Professor
Zimbalist, quando Atenas ganhou, em 1997, o direito de sediar os Jogos
Olímpicos de 2004, seu orçamento foi estimado em cerca de 1,6 bilhão de dólares
e o custo público final foi calculado em torno de 16 bilhões (aproximadamente
dez vezes mais do que o número original). Podemos observar esta mesma tendência
em relação às projeções orçamentárias em outros locais que já sediaram esses
eventos?
Robert
Baade: Sim, em todos os lugares.
Os jogos de Atenas seguiram a norma, sendo este, de fato, o exemplo mais típico
do que acontece com esses eventos. As projeções imprecisas relacionadas ao
custo de sediar megaeventos esportivos são endêmicas, e as estimativas dos
custos iniciais são lamentavelmente subestimadas na maioria das vezes. Quando
eu comecei a estudar as Olimpíadas de Atenas, o orçamento para a segurança
estava em torno de 400 milhões de dólares. No momento em que paramos de
acompanhar o orçamento, ele chegou a cerca de 1,9 bilhão de dólares, e isso era
apenas para a segurança. O Brasil vai enfrentar situação parecida. O país tem
trabalhadores em greve, vários atrasos nas construções de infraestruturas,
transtornos judiciais, entre outros problemas que irão aumentar
significativamente os custos. Parafraseando um famoso filósofo, eu diria que a
única coisa imutável dentro deste universo dos megaeventos é a ausência de
mudança. Essas mudanças resultam invariavelmente em custos mais elevados do que
os estimados pelas previsões iniciais. Se a experiência no Brasil seguir a
norma, haverá uma grande probabilidade de que o custo financeiro para sediar
estes eventos venha a ser muito maior e mais duradouro do que o que foi
inicialmente previsto.
Pergunta Blog: Existe o risco de um
país ter sua imagem afetada ou desgastada internacionalmente ao sediar tais
eventos?
Robert
Baade: Sim. E essa possibilidade é real para qualquer país que decida sediar tais atividades.
Um devido país tanto pode ser identificado como eficiente e capaz ou como
desorganizado e ineficiente. Tudo depende de como as coisas irão fluir durante
os eventos. No entanto, se as coisas não acontecerem como foram planejadas e se
ocorrências negativas ou lamentáveis se tornarem frequentes e divulgadas pela
imprensa, então a imagem do país poderá realmente ser afetada de forma
negativa, em vez de ser fortalecida.
Pergunta Blog: E na sua opinião,
isso representa um risco para o Brasil?
Robert
Baade: Sim. A situação brasileira,
com todos os seus atrasos no acabamento de diversas obras, me faz lembrar do
que aconteceu nas Olimpíadas de Atenas.
Pergunta Blog: Foi divulgado pela
imprensa internacional que 21 das 22 estruturas construídas para as Olimpíadas
de Atenas encontram-se numa situação extremamente precária e não têm qualquer
utilidade. Fazendo uma retrospectiva da história, qual é o destino mais
provável para as diversas estruturas esportivas
construídas em outras cidades que sediaram megaeventos esportivos como a
Copa do Mundo e as Olimpíadas? Será que o exemplo do que ocorreu em Atenas é o
mais comum?
Robert
Baade: Sim. De fato,
algumas das estruturas esportivas em Atenas se encontram em ruínas, de modo que
grande parte das instalações esportivas
são pouco utilizadas após os eventos. Assim sendo, o potencial para se tornarem
elefantes brancos é um risco grande e real. Antes de serem escolhidas para
sediar as Olimpíadas e a Copa do Mundo, Los Angeles e a Alemanha não tiveram
que lidar com esse problema porque já tinham a maior parte destas estruturas
prontas para sediar tais eventos. Atenas se encontra na pior situação possível,
pois tiveram que construir estádios nos quais os gregos tinham pouco ou nenhum
interesse, e os custos para que a Grécia possa manter tais estruturas ainda são
significativos. O estádio Birds Nest em Beijing também está perto de se tornar
um elefante branco. A construção do estádio Olímpico de Montreal é um exemplo
clássico de uma estrutura que não foi utilizada adequadamente após os jogos.
Além disso, levou 30 anos para os canadenses pagarem a dívida que acumularam em
decorrência de terem sediado as Olimpíadas. Na verdade, uma das maiores
consequências desses megaeventos esportivos são os estádios e as arenas que
foram construídas com um alto custo e que têm pouca utilidade.
Pergunta Blog: E o problema dos
elefantes brancos na África do Sul?
Robert
Baade: O sediamento da Copa do Mundo na África do Sul seguiu um caminho já muito
conhecido. A liga premier de futebol daquele país tem por média 7,500
espectadores por partida. Assim sendo, não havia nenhuma necessidade de se ter
construído estádios com as capacidades que foram determinadas pela FIFA. Os
cinco novos estádios construídos para a Copa do Mundo de 2010 na África do Sul
custaram cerca de 1 bilhão de dólares. Os estádios Peter Mokaba e Nelson
Mandela foram construídos com cerca de 150 e 140 milhões de dólares
respectivamente. Eles são utilizados esporadicamente para jogos de futebol e de
rúgbi. O estádio Mandela, por exemplo, acolheu 12 partidas em 2013, com uma
média de 7,606 espectadores (o que representa 16.5% da capacidade do estádio).
Paralelamente, o estádio Mokaba não possui nenhum inquilino ou seja, ninguém se
interessou em arrendar tal estádio. Será que faz algum sentido construir um
estádio de 150 milhões de dólares num lugar em que não existe sequer um time de
futebol para fazer uso de tal infraestrutura após o término da Copa? Exemplos
parecidos com estes existem em toda a parte.
Pergunta Blog: Você acredita ser
provável que o problema dos elefantes brancos na África do Sul e na Grécia
possa vir a acontecer no Brasil?
Robert
Baade: Eu acho que o que está acontecendo no Brasil faz lembrar muito a situação da
Grécia e da África do Sul, onde a síndrome do elefante branco é clara e real.
Chegou ao meu conhecimento que o Brasil construiu estádios de futebol em
algumas cidades que não possuem equipes nem na primeira, nem na segunda divisão
de futebol do país. Construir estádios novos em Cuiabá, Manaus e Brasília, ou
seja, em cidades que possuem um papel insignificante dentro do contexto
futebolístico nacional, não faz sentido nenhum. O mais provável é que estes
estádios não tenham grande utilidade após o término da Copa e que possivelmente
estejam a caminho de se tornarem elefantes brancos após o evento.
Pergunta Blog: Em suma, qual será o
legado econômico ou as consequências para o Brasil por sediar estes eventos?
Robert
Baade: Estou esperançoso que o povo brasileiro possa se beneficiar ao sediar a
Copa do Mundo e as Olimpíadas. No entanto, após fazer uma avaliação cautelosa
sobre a situação, não estou muito otimista que haja um legado positivo
decorrente destas atividades. Na verdade, existe o risco de haver um balanço
negativo no final. De fato, observamos que a coesão social do país tem sido
desgastada por fatores econômicos relacionados com os eventos. Além disso, fica
claro que existe uma enorme pressão nos jogadores da seleção nacional. Se a
equipe não for bem ou não corresponder às expectativas, a chance de um legado
negativo ocorrer aumentará. Dificilmente tais eventos acarretarão algum tipo de
benefícios econômicos para o Brasil e estou muito preocupado com a forma como o
país irá utilizar essas estruturas esportivas construídas para receber esses
eventos. Eu creio que a desconfiança dos brasileiros em relação aos seus
governantes só irá aumentar ao chegarem à conclusão de que estas atividades
beneficiarão apenas uma parcela muito pequeno da população. Este é um risco
real e espero que o Brasil possa passar por este momento sem problemas.
Portanto, eu torço pelo Brasil e pela seleção nacional.
FONTE: ESTADO DE SÃO PAULO / RICARDO GUERRA
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