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quinta-feira, abril 26, 2012

Barbosa não falhou na Copa de 1950



Em sua coluna, domingo passado em "O Globo", Ancelmo Gois publicou opinião do humorista Chico Anísio sobre o goleiro Barbosa a respeito do que foi para nós, brasileiros, o trágico desfecho da Copa de 50 no Maracanã. Chico Anísio lembrou aquele dois a um, a propósito da escolha do Brasil para sediar a Copa do Mundo de 2014. Do alto das arquibancadas do Estádio Mario Filho, portanto, hoje, 57 anos nos contemplam. Daqui a mais 7 serão 64. Batida forte na porta da memória é o tempo, como no belo verso de Aldir Blanc. Mas este é outro assunto.

Falando a Ancelmo o artista culpou Barbosa identificando uma falha sua no lance fatal. Foi um equívoco. Chico Anísio necessita voltar ao passado e focalizar mais nitidamente a imagem. Barbosa não falhou. Nem no primeiro gol do Uruguai, de Schiafino, nem no segundo, de Gighia. Barbosa foi injustiçado e - incrível - aceitou a injustiça. Absorvendo-a e procurando exorcizá-la.

O próprio personagem errou para consigo mesmo. Eu, pessoalmente, pude um dia dizer isso a ele na mesa de debates do Haroldo de Andrade, há alguns anos, quando o programa estava ainda na Rádio Globo. Algumas semanas depois Barbosa morreu. Ele não engoliu frango algum, tenho certeza. Eu estava no estádio superlotado exatamente no ângulo do chute. Zagalo também, como ele acentuou em declarações à "Folha de S. Paulo", edição de 28 de outubro. Ele já jogava no juvenil do América. Concorda com minha visão.

O fato predominante é que o ataque do Uruguai avançava surpreendentemente livre. Gighia, ponta-direita, vinha passando facilmente por Bigode, nosso lateral-esquerdo, em todas as ocasiões. Naquele tempo, meio-campo não voltava para ações defensivas, ao contrário de hoje. Se o treinador Flávio Costa tivesse percebido melhor o espaço tático, teria mandado Jair da Rosa Pinto e Danilo Alvim aproximarem-se de Bigode para lhe dar cobertura.

Ou então teria recuado o ponta-esquerda Chico Aramburu para a tarefa indispensável. Bigode estava mal na partida. Mas a cultura do futebol de ontem não é a de hoje. E o jogo foi em 1950. Eu tinha 16 anos. Zagalo, 19. Atleta e técnico consagrado, ele pode dar um excelente depoimento sobre aquela final.

Gighia recebia a bola de Júlio Peres ou de Obdúlio Varela, jogadores de meio campo, balançava o corpo e cortava Bigode. O forte do lateral era a marcação de perto. Naquela tarde, marcava de longe. Vencíamos por um a zero, gol de Friaça e, pelo regulamento da época, o empate nos faria campeões. Tínhamos vencido a Espanha por 6 a 1 e a Suécia por 7 a 2. O Uruguai havia empatado com a Suécia em 2 a 2 e derrotado a Espanha, no final do jogo, por 2 a 1.

Estávamos no meio do segundo tempo. Gighia recebe de Júlio Peres um passe cruzado de longa distância, ultrapassa Bigode. Não surge ninguém na cobertura. Aproxima-se da área. Barbosa teme o arremesso e fecha o ângulo esquerdo. Gighia percebe e levanta para Schiafino. Juvenal, zagueiro do meio da área, fica parado. Schiafino atira à queima-roupa de voleio e empata. Barbosa nada podia fazer.

Dez minutos depois, a armação uruguaia se repete. Gighia passa por Bigode e vai em frente. Nosso meio campo não tenta cobrir o flanco. Juvenal não sai para o combate. Podia tentar a falta fora da área para parar a jogada. Barbosa, desta vez, teme um novo centro e prepara a saída da meta para cortá-la. Ele saía muito bem do gol. Gighia vê e decide invadir a área. Atira fora e rasteiro na esquerda de Barbosa. Onde está a falha do goleiro? A defesa poderia acontecer, mas seria dificílima. Não se pode dizer que tenha falhado.

Nós jogamos taticamente errados. Na quinta-feira, 13 de julho, ao sair de um treino no Fluminense, Obdúlio encontra o craque do passado Preguinho (João Coelho Neto), autor do primeiro gol da seleção brasileira em Copa do Mundo, a de 30, no Uruguai. Diz a ele como a celeste ia jogar domingo para reduzir o espaço para nós. Eu estava na mesa do Prego, o treinador Oto Vieira também, entre algumas pessoas. Creio ser hoje a única testemunha viva da conversa. Obdúlio Varela anunciou o recuo de Gambeta, jogador de meia cancha.

Nascia o quarto zagueiro. Revelou que o ponta Morán ia atuar recuado: surgia o terceiro homem no meio de campo. Era para diminuir o espaço para a técnica brasileira. Oto Vieira procurou Flávio Costa para revelar o conteúdo do encontro. Flávio - contou Oto - não considerou a preciosa informação.

O Uruguai só nos marcava a partir da linha média. Apostava tudo nos lançamentos. Traçava uma linha oblíqua para encostar em Zizinho e Ademir. Flávio Costa deveria ter mandado Friaça abrir para levar Morán para fora da zona do agrião. Não fez isso.

A partida foi amarrada, difícil, sem espaço. Menos para Gighia, que voava livre. Descobriu o caminho da vitória. Perdemos. Mas não por culpa de Barbosa. Ele apenas não fez um milagre. Mas, francamente, não se pode exigir milagre de ninguém.


Fonte: Coluna de Pedro do Coutto - Tribuna da Imprensa- nov. 2007

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