No domingo a candidatura de Jean-Luc Mélenchon garante romper com o
cenário da última década.
Domingo decorrem as presidenciais francesas. A candidatura de Jean-Luc Mélenchon promete romper com o cenário da última década, com uma mobilização popular superior às de Sarkozy e Hollande. O povo de esquerda voltou a acreditar. É uma nova organização social e política que é apresentada a votos. Noutro sentido, os Verdes permaneceram, desde os primeiros minutos, amarrados ao acordo que assinaram com o PS. O acordo passou a ser a sua identidade e a substituir a sua política.
Afirmar uma Europa à esquerda, a luta é alegria
As palavras de ordem da candidatura de Jean-Luc Mélenchon transparecem a radicalidade da proposta e a nova cultura política da campanha: “tomar o poder”, “retomar a Bastilha”, “lugar ao povo”, “revolução cidadã”, “o humano primeiro”. A campanha mergulha na cultura da primavera árabe, dos indignados europeus e do occupy Wall Street e conta com uma verdadeira mobilização popular. Por todo o território organizaram-se assembleias cidadãs. No site é disponibilizado o “kit de insurreição cívica” para que todos os cidadãos realizem “reuniões de apartamento”. Actos de contra-cultura são promovidos e divulgados. Os comícios são os mais concorridos das eleições, juntando mais de 100 mil apoiantes, mas ainda assim são organizadas transmissões em directo em praças e salas de outras cidades.
A proposta passa pela constituição da VI República Francesa, mas não fica apenas entre portas. Rejeição do Tratado de Lisboa e do Pacto Orçamental; um Banco Central Europeu sob controlo democrático que empreste o dinheiro - a juros baixos, ou mesmo sem juros, - aos Estados e não aos bancos como faz atualmente. A criação de um fundo europeu de desenvolvimento social, ecológico e solidário para repartir os financiamentos entre os países do Euro na medida das suas necessidades. A renegociação e anulação parcial da dívida dos Estados. O que se leva a votos é uma outra França e uma nova arquitetura para a Europa, uma nova cultura política. Num momento de recomposição agressiva do capitalismo é também esta solidariedade entre os povos que está a encher as ruas.
“A frente de esquerda está em vias de se tornar a frente do povo”
A má memória relembra que há dez anos Jen-Marie Le Pen passou à segunda volta para a disputar com o outro candidato da direita, Jacques Chirac. Na altura, em 2002, a Luta Operária obteve o melhor resultado à esquerda com 5,7%. Hoje a caricatura da sua campanha pode ver-se no questionário que o Le Monde fez a todos os candidatos sobre políticas ambientes concretas. Nathalie Arthaud foi a única candidata a recusar-se a responder, optando por uma declaração geral onde se lia que “enquanto as grandes empresas não estiverem sob o controlo dos trabalhadores, nada será alcançado”. Desistir do presente nunca foi a solução para conquistar o futuro, como os valores residuais das sondagens demonstram. Nas últimas eleições, em 2007, Olivier Besancenot, da LCR, obteve o melhor resultado com quatro por cento dos votos. Presentemente, vários elementos do NPA declararam apoio ao candidato da Front de Gauche e o candidato oficial do partido, Philippe Pouton, aparece abaixo do ponto percentual.
Muito caminho se percorreu em dez anos e a candidatura de Mélenchon é tanto mais relevante se atentarmos à narrativa e ao contexto. Há apenas cinco anos o PCF ficava-se pelos 1,93%. O juntar forças e a rejeição do social-liberalismo tornaram-se nas tónicas fortes da sua intervenções e a nova plataforma política formada em 2009 – que junta Parti de Gauche, PCF e Gauche Unitaire - pulveriza esses resultados ameaçando ficar acima dos 15%. A esquerda e a transformação social não vivem só de resultados e muito menos de sondagens, mas a adesão popular nas ruas espelha os ventos e a vontade de mudança.
Verdes rosa ou quando os assentos substituem a política
Os Verdes nunca tiveram uma grande tradição nas Presidenciais. Contudo, com a explosão nas últimas europeias as expetativas eram grandes (registaram 16,3% contra os 6,5% da Front de Gauche). Tão grandes que ainda antes da pré-campanha, em Novembro, assinaram um acordo com o PS. O acordo prevê 25 a 30 deputados ecologistas em caso de vitória e 15 em caso de derrota. Logo nos dias seguintes podíamos ler que a candidata Eva Joly não assumia o acordo. O seu diretor de campanha explicava: “este não é um acordo programático. É um acordo relativo à maioria parlamentar. Não para uma eleição presidencial”. Em causa o facto do PS ter acordado um texto, mas posteriormente ter votado nos seus órgãos nacionais uma versão diferente onde as referências ao MOX (um tipo de combustível nuclear) tinham sido apagadas.
O acordo tornou-se irremediavelmente no tema central da campanha verde. A candidata nunca descolou nas sondagens e agora, perante a perspetiva de um desaire eleitoral, prevê-se que o PS quebre o acordo. Neste novo contexto a conversa mudou. A própria Eva Joly desdobra-se em declarações em defesa do mesmo: “seria errado o Presidente da República recém-eleito questionar os acordos assinados”, disse sobre Hollande. Enquanto isto, confrontada com a vontade do candidato socialista em não fechar uma única central nuclear no seu primeiro mandato, a candidata verde apenas mostra “preocupação” mas “conta com a pedagogia e com conversações futuras para o convencer”. O acordo não só condicionou a campanha e o discurso dos Verdes como substituiu a sua proposta política, mesmo naquilo que é a sua centralidade. Não admira que não colha simpatias.
FONTE: ESQUERDA NET
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