Pouco antes de terminar a escola secundária, Shirley J. Wilcher
nunca havia imaginado frequentar o prestigioso
Holyoke Mounts College, em Massachusetts.
Beneficiada por ações afirmativas que lhe
permitiram entrar em instituições até então apenas frequentadas pelos brancos,
ela não apenas obteve seu bacharelado com honras, como continuou os estudos e
obteve um mestrado na New School for Social Research, em Nova York, e um
doutorado em Jurisprudência, Juris Doctor, em Harvard.
"Ações afirmativas são isso, lançar uma rede
ampla para recrutar pessoas: por exemplo, ir a uma escola pobre no centro da
cidade e falar com os professores, o que minha universidade fez", disse
Wilcher, hoje diretora-executiva da Associação Americana para Ações Afirmativas
(AAAA), à BBC Brasil. "É reconhecer os talentos e dar oportunidades."
Ações como as que resultaram na admissão de Wilcher
em uma das universidades mais concorridas dos EUA são medidas amplamente
utilizadas por instituições de ensino americanas para recrutar seus alunos
desde os anos 1970.
Contrariando a crença de muitas pessoas fora dos
EUA, as cotas numéricas são ilegais no país (apenas "metas" não
obrigatórias são adotadas por empresas com contratos federais). Mas as
principais universidades levam em conta fatores qualitativos – como status de
minoria ou origem socio-econômica – para escolher alguns estudantes em
detrimento de outros.
"As ações afirmativas não são inconsistentes
com o mérito", argumenta Wilcher. "Estas universidades só recrutam
bons estudantes que estão no topo da lista. Meus colegas da faculdade de
Direito de Harvard todos se graduaram com honra em seus bacharelados."
Litígio
Mas, como no Brasil, a aplicação destes critérios
nos EUA está longe de ser uma unanimidade. Da mesma forma que as iniciativas
brasileiras vão a julgamento no Supremo, em Brasília, também tem cabido à corte
de maior hierarquia nos EUA o papel de definir a forma e o escopo das ações
afirmativas.
Atualmente, vigora o entendimento da Suprema Corte
americana em duas decisões tomadas conjuntamente em 2003, quando estava em
julgamento o sistema de ações afirmativas da Universidade de Michigan.
Em um dos casos (Gratz x Bollinger - Lee Bolinger
era o diretor da instituição), a Corte derrubou uma atribuição de 20 pontos
para alunos de minorias étnicas no sistema de admissões da Universidade, um
quinto do necessário para aceitação automática. O tribunal manteve uma decisão
de 1978 que proibía vantagens numéricas para as minorias – assim banindo, por
exemplo, cotas.
Ao mesmo tempo, em outro caso (Grutter x
Bollinger), a Corte entendeu que a universidade tinha o direito de fazer sua
seleção com o objetivo mais vago de criar uma "massa crítica" de
minorias sub-representadas em suas salas de aula, em especial negros e
hispânicos.
"O Supremo enfocou, mais que nada, a questão da
diversidade na educação superior, na necessidade de ter um corpo estudantil
diverso, que prepare os estudantes a trabalhar em um país cada vez mais
diverso", diz Wilcher.
"Até o meio deste século, metade de todos os
americanos serão pessoas de cor, portanto a diversidade, para nós, é um tema
nacional."
Oposição
Ao proferir a sentença, o Supremo disse acreditar
que a decisão valeria por 25 anos – mas a verdade é que o tema nunca saiu de
pauta, e a Corte deve voltar a ela muito mais cedo que esperado.
Em outubro próximo, os nove juízes vão ouvir o
argumento que coloca no banco dos réus as ações afirmativas da Universidade do
Texas.
Só que, hoje, a formação de magistrados dá uma
maioria de cinco para os conservadores – o que para ativistas de direitos civis
traz o risco de uma reversão das decisões da mesma corte oito anos atrás.
Intelectuais como o economista – negro - Thomas
Sowell, da Universidade de Stanford, Califórnia, são frontalmente contra ações
afirmativas. Em seu livro "Ações Afirmativas ao Redor do Mundo: Um Estudo
Empírico", Sowell argumenta que não há indicadores que apoiem o sucesso
das políticas afirmativas.
"Alunos de minorias aceitos sob resultados
reduzidos (1) não têm desempenho tão bom quanto os de outros estudos, (2) não
chegam à graduação e (3) não têm desempenho tão bom em suas carreiras após
terminar a universidade", escreve. Ele não estava disponível para
entrevistas.
O intelectual rejeita a teoria da "massa
crítica", utilizada pela Universidade de Michigan em 2003, segundo a qual só
a multiplicação de estudantes provenientes de minorias (a massa crítica) os
fará sentir mais à vontade no ambiente acadêmico, melhorando seu desempenho.
Para Sowell, a prova de que a teoria é
"contraproducente" são as histórias de negros que, ao conquistar
lugares antes só reservados aos brancos, são acusados de "se
embranquecer". "As ações afirmativas nos EUA fizeram negros que
saíram da pobreza por seus próprios esforços parecer que devem o seu
reconhecimento a programas oficiais", defende.
Representatividade
Esta linha de pensamento ecoa em muitos Estados
onde as universidades são proibidas de levar em conta aspectos de
"raça" para admissão de estudantes, como a Califórnia e, desde 2006,
Michigan.
Por causa da lei de 2006 em Michigan, a
representatividade de negros caiu 51% entre 2005 e 2010 na Faculdade de Direito
da Wayne State University, segundo a coalizão de defesa das ações afirmativas
BAMN ("By Any Means Necessary", ou Por Qualquer Meio Necessário).
Ao mesmo tempo, a representatividade de negros na
Faculdade de Medicina caiu 55% no mesmo período.
Na Califórnia, onde as ações afirmativas foram
banidas de vez após um referendo em 1996, a representatividade de negros e
hispânicos caiu entre 1995 e 2000 nos campi mais prestigiosos, como Los Angeles
e Berkeley, mas aumentou em unidades como Riverside e Santa Cruz.
Mas para Donna Stern, da coalizão BAMN, o aumento
estatístico das minorias nas universidades californianas é insignificante, já
que mais da metade dos alunos que terminam a escola secundária no Estado são
hispânicos ou negros.
"Não é viável ter um sistema em que as
melhores universidades são reservadas para os brancos", diz a ativista. "O
ataque contra as ações afirmativas é uma tentativa da direita deste país de
cimentar seu privilégio, porque eles sabem que, numericamente, estão a ponto de
se tornar a minoria."
FONTE: BBC BRASIL
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