Há poucos meses Altamira era uma cidade de 100
mil habitantes entre o rio Xingu e a Transamazônica, com apenas um semáforo,
17 mil carros e um monte de problemas. Em menos de um ano ganhou
faróis inteligentes, guardas de trânsito e até um helicóptero - e um tráfego
caótico de 30 mil veículos, 45 mil novos moradores e outro monte de
problemas. O marco divisório foi a decisão de instalar na região a terceira
maior hidrelétrica do mundo, Belo Monte
Há poucos meses, Altamira era uma cidade de 100
mil habitantes entre o rio Xingu e a Transamazônica, com apenas um semáforo,
17 mil carros e um monte de problemas. Em menos de um ano, ganhou
faróis inteligentes, guardas de trânsito e até um helicóptero, mas no pacote
também vieram o tráfego caótico de 30 mil veículos, 45 mil novos moradores e
outro monte de problemas.
O marco divisório foi a decisão de instalar na
região a terceira maior hidrelétrica do mundo, Belo Monte. Na cidade, a
vida segue sem saneamento básico, a educação é precária, água limpa é para
poucos, o sistema de saúde funciona mal para todos. Enquanto isso, a algumas
dezenas de quilômetros dali, o trabalho nos canteiros da usina exibe avanços
bem visíveis. A comparação entre o frenesi de lá e o impasse de cá produz uma
queixa consensual na população: há muito descompasso entre o ritmo da
construção da usina e a lentidão em atender às demandas urbanas.
Na Prefeitura de Altamira, um cálculo feito sobre
o aumento da produção de lixo e a demanda crescente de pacientes no hospital
estima que a cidade tem hoje 145 mil habitantes. O poder de atração da
hidrelétrica é imenso, e o movimento migratório multiplica problemas
históricos da região.
"Fora alguns avanços na engenharia de
tráfego e em equipamentos de segurança, não foi feito nada", diz um
representante do município que prefere não se identificar. Ele lista: é
preciso fazer 261 quilômetros de rede de esgoto, outro tanto de rede de água,
definir os locais onde 7.000 famílias serão realocadas, acelerar a construção
de salas de aula, construir unidades básicas de saúde, e tudo com urgência.
"Conseguimos, com lentidão, sete ou oito
reformas de escolas, quatro unidades básicas de saúde. Mas tudo isso devia
ter sido feito cinco anos antes de a obra começar", reclama. "A
primeira atitude que a empresa deveria ter era de fazer um hospital de
campanha", diz.
"Eu não concordo que as duas obras estejam
andando em ritmo diferente. Cada uma está em seu ritmo adequado", rebate
João Pimentel, diretor de relações institucionais da Norte Energia,
responsável pela construção e operação da hidrelétrica de Belo Monte.
"O que a população de Altamira provavelmente reclama são demandas
históricas."
Ele lembra a trajetória da cidade centenária, que
viveu um ciclo de desenvolvimento nos anos 70, outro com a exploração de
madeira (basicamente ilegal e que sofreu com o fechamento de serrarias na
Operação Arco de Fogo, em 2008) e todo o resto do tempo no limbo. "A
cidade cresceu e durante anos não houve investimentos e políticas
públicas", prossegue Pimentel. "A Norte Energia ficou sendo
esperada como se fosse um messias, que salvaria a cidade dos anos de
abandono."
Ao tornar-se o empreendedor de uma obra estimada
em mais de R$ 20 bilhões, a Norte Energia também herdou essa fatura gigante.
Assumiu o compromisso de executar um complexo pacote com centenas de obras
sociais e ambientais, de prazos, tamanhos e valores diferentes, para mitigar
e compensar o impacto de Belo Monte sobre os 11 municípios da
região. É aí que estão os problemas.
Há o andamento das condicionantes estipuladas nas
várias fases do licenciamento. Existem ações previstas no Plano Básico
Ambiental (PBA) para preparar a região para a obra, reduzir danos e construir
infraestrutura - a previsão é gastar aí até R$ 3,3 bilhões. Existe o item das
compensações ambientais, que deve ser aplicado em unidades de conservação. E
há, ainda, o Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável do Xingu, o PDRS.
Este cipoal de necessidades esbarra em dificuldades de todo o gênero. O
resultado é que a população se sente frustrada.
"A obra está andando muito bem", diz
Vilmar Soares, coordenador de relações institucionais do Fort Xingu, que
reúne 178 empresas, igrejas, movimentos de bairros, sindicatos e associações.
"Acho que a obra é boa para uma região que não tinha perspectiva
nenhuma. Vai dar problemas, mas o saldo positivo será maior que o negativo. A
usina trará dinamismo", continua. No presente, no entanto, ele diz que
não houve melhoria em quase nada. O projeto de saneamento básico sequer foi
iniciado. Na área da saúde, foram investidos apenas R$ 20 milhões dos R$ 500
milhões previstos no PDRS. "A obra está andando, mas a Norte Energia
está muito devagar aqui."
Há gargalos que surgiram da própria corrida de
migrantes em busca de trabalho. A telefonia, que era ruim, piorou com mais
celulares. A rede bancária tem apenas seis agências, sempre com filas
enormes. A saída para pagar os trabalhadores foi montar uma solução
emergencial no clube local. Mas os trabalhadores saem com dinheiro no bolso e
correm o risco de serem assaltados na esquina.
Altamira registra um boom de construção civil. Há
1.700 construções ou reformas com alvará. Todos querem aproveitar o movimento
que a usina produz na cidade. Mas não existe mão de obra disponível, e quando
tem, é cara. O restaurante O Caipirão, de Roselane da Luz Nogueira, abriu há
dois anos e meio e atendia 38 clientes. Hoje, tem 182 lugares.
"Jamais posso falar mal da obra, está sendo
ótimo para mim", diz a dona da única cozinha industrial da cidade, feita
para atender à demanda por marmitas do consórcio construtor. Chegou a
fornecer 3.800 marmitas por dia. "Mas o lado social é preocupante. Daqui
a pouco pode haver um colapso." Roselane diz que tem plano privado de
saúde, mas ali não há médicos e outro dia teve que recorrer ao hospital
municipal. "Vi o tanto que está difícil para aquela gente humilde, que
já é muito sofredora."
"Sabe quanto está o quilo do feijão
aqui?" pergunta Adriano de Paula Lima, recepcionista do hotel Augustus.
"Quase R$ 6!", responde. "Não há benefícios na cidade, as
coisas só aumentaram" e vai listando o aumento de gastos com a cesta
básica e o aluguel. "Agora estão contratando. Mas e quando começarem a
demitir?"
A sigla CCBM é onipresente em Altamira. Trata-se
do Consórcio Construtor Belo Monte, formado por dez das maiores
empresas de construção pesada do país, da Andrade Gutierrez à Camargo Corrêa
e Odebrecht. O CCBM foi contratado pela Norte Energia para executar as obras
da usina, que terá capacidade instalada de 11.200 MW. Já foram contratados
7.000 trabalhadores (a metade de Altamira), logo serão 12.000 e em 2013, no
pico das obras, 22.500. Naquele momento, estima-se que o consumo de carne
será de 95 toneladas no mês, 65 toneladas de frango e 410 toneladas de
cereais. O volume de concreto a ser usado construiria 48 Maracanãs. Por essas
cifras é possível imaginar a magnitude do impacto de Belo Monte.
O cronograma de construção prevê a primeira
unidade geradora em funcionamento em 2015, e a última, em 2019. Se tudo
correr conforme a planilha, o maior feito do Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC) terminará no fim da década. Apenas 7% do empreendimento
ocorre em Altamira. Na cidade foi instalado o centro de capacitação - que já
treinou 2.500 pessoas, de pedreiros a operadores de máquinas. A hidrelétrica
ficará em Vitória do Xingu, povoado de 10 mil habitantes e orçamento anual de
R$ 15 milhões. Só com o ISS, seus cofres receberão este ano perto de R$ 50
milhões.
Há três grandes frentes de obras, o que dá
velocidade à construção. Distantes dezenas de quilômetros umas das outras
estão o sítio Pimental (onde ficará o reservatório), o sítio Canais e Diques
(com o famoso canal de 20 quilômetros de extensão e 500 metros de largura), e
o sítio Belo Monte, abrigo da casa de força principal.
A reportagem visitou um dos canteiros, o sítio
Canais e Diques. O acesso é pelo travessão 27, antiga trilha que começa na
Transamazônica e abria caminho para agricultores entre remanescentes
florestais e pastagens. Agora é uma estrada larga, ainda de terra, mas sem
buracos e em constante manutenção. No canteiro, há 2.000 pessoas trabalhando,
cerca de mil alojadas em grandes tendas brancas. Os alojamentos definitivos
estão em construção. O projeto prevê casas em PVC dispostas em uma
minicidade, com quadra de lazer, agência bancária, cinema e lojas.
Na obra, a terra que está sendo retirada na
escavação do canal é usada na terraplenagem. O canal já está aberto na altura
do km 13. São 500 metros entre as margens. É visão impressionante: para quem
está na borda e espia à frente, os caminhões e máquinas parecem de brinquedo.
Os avanços em obras urbanas são tímidos. Um
comitê gestor do PDRS, que inclui governo e sociedade civil, e está vinculado
à Casa Civil da Presidência, se reúne todos os meses para acompanhar o plano.
O comitê procura gerir o dinheiro que financia os projetos socioambientais
ligados a Belo Monte e acompanhar seu andamento.
Apesar das dificuldades de consenso, o comitê
sustenta que tem avançado em algumas obras. Em 2011, foram aprovados 30
projetos para a região, com orçamento de R$ 28 milhões. Todos estão em
execução, informaram em e-mail ao Valor. Estão sendo construídas cinco
unidades básicas de saúde e está em curso um projeto de regularização
fundiária, por exemplo.
O orçamento total a ser gerenciado pelo comitê é
de cerca de R$ 4 bilhões, dos quais R$ 500 milhões estariam atrelados à
entrega das condicionantes ambientais. A prioridade do comitê para este ano é
a definição de um pacote de planos regionais para a saúde, educação,
segurança e o desenvolvimento de cadeias produtivas.
Segundo dados de março da Norte Energia, os
investimentos nos 11 municípios atingidos por Belo Monte alcançaram
R$ 165 milhões em áreas sociais e ambientais, o que é parte das
condicionantes. "O que está havendo é a combinação de dois
elementos", diz Pimentel, da Norte Energia. "De um lado, a enorme
demanda da cidade e a ansiedade que a empresa resolva coisas que hoje eles
não têm", diz. "Do outro, a falta de capacitação das prefeituras na
execução das obras".
Pimentel diz que há um cronograma para as obras e
a intenção de privilegiar empresas locais, o que às vezes é complicado. Ele
garante que há muito em andamento. Cita, por exemplo, o plano de combate à
malária - um investimento de R$ 37 milhões, para serem gastos em seis anos.
FONTE:Valor Econômico / Por Daniela Chiaretti e André Borges | De Altamira e Brasília
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segunda-feira, abril 16, 2012
Belo Monte acentua as fragilidades de Altamira
Belo Monte avança, mas Altamira vive impasse
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