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terça-feira, março 05, 2013

Itália: algumas razões para desconfiar do “Movimento 5 Estrelas”



O movimento de Beppe Grillo é uma marca registada onde o comediante tem todos os poderes, até o de expulsar militantes. Definindo-se como “nem de esquerda, nem de direita”, defende alguns temas caros a esta última, como a rejeição da cidadania aos imigrantes de 2ª geração.



A Itália sempre teve anomalias que, de diferentes maneiras, acabaram por infetar outros países. Há uns anos, no contexto da crise económica e da crise de representação política, começou-se neste país a difundir um partido populista liderado por um cómico, que utiliza as redes e parte da linguagem dos movimentos sociais para ganhar a simpatia dos eleitores que desconfiam dos partidos tradicionais e que estão abandonados e isolados pelo neoliberalismo. É um fenómeno complexo que não queremos liquidar com um slogan. No entanto, eis algumas razões para desconfiar de Beppe Grillo e do seu “Movimento 5 Estrelas”.
1. A propriedade da marca
O Movimento 5 Estrelas (Movimento 5 Stelle, M5S) foi fundado em 4 de outubro de 2009 pelo cómico Beppe Grillo e pelo empresário experiente em webmarketing Gianroberto Casaleggio.
Quatro anos antes, baseado no sucesso dos espetáculos de Grillo, surgiram os fóruns locais de “Os Amigos de Beppe Grillo”, que utilizaram a plataforma de grupos locais em rede MeetUp. Este movimento funciona de acordo com um regulamento escrito por Grillo e Casaleggio, o chamado “Não Estatuto” (Non Statuto). No artigo 3 deste Não Estatuto estabelece-se claramente a propriedade da organização: “O nome Movimento 5 Estrelas é uma marca registado em nome de Beppe Grillo, que é o único titular dos direitos de uso do mesmo”.
2. Ausência de democracia
A partir da natureza de propriedade da marca chega-se à estrutura autoritária do M5S. Nestes anos, esta foi evidenciada de duas maneiras. Primeiro, Grillo e Casaleggio trabalharam para que o site www.beppegrillo.it fosse o único órgão de comunicação e organização do seu movimento. Um órgão que permite a intervenção dos leitores unicamente através de comentários aos posts, como um comum site de informação mainstream. O Não Estatuto, e depois algumas regras ditadas por Grillo, estabeleceram que é proibido abrir sedes, construir ferramentas comunicativas autónomas e participar em debates de televisão.
Por outro lado, os proprietários da marca sempre evitaram que se pudessem realizar assembleias nacionais do Movimento. Os que tentaram levar adiante assembleias, pondo em relação vários territórios e debatendo o tema da organização, foram expulsos. A decisão sobre a expulsão é tomada exclusivamente por Grillo e o seu “pessoal” (que não se sabe quem é) e significa na verdade a proibição de utilizar a marca, numa perfeita lógica empresarial. Os que foram purgados contam que receberam um aviso legal para não utilizarem a marca do M5S, que é propriedade exclusiva de Grillo.
3. A Rede utilizada como se fosse a televisão
Lendo até aqui, alguém poderia questionar-se como é possível que tanto autoritarismo possa ser confundido com algo que tenha a ver com “democracia direta” ou “democracia líquida”.
Para compreendê-lo, precisamos ver o M5S no contexto social e mediático da Itália. Beppe Grillo teve sucesso com a sua participação nos programas mainstream de televisão nas noites de sábado. Participou também em diversos anúncios publicitários. Em 1986, quando obteve a máxima notoriedade e o Partido Socialista o atacou duramente por causa de uma piada sobre o seu secretário-geral Bettino Craxi, Grillo deixou de aparecer regularmente na televisão e começou uma tournée por todo o país com o seu espetáculo de teatro. Na década de 90, Grillo manteve a fama nos média italianos graças a uma boa relação com alguns programas de televisão (primeiramente com “Stricia A Notizia”, o telejornal cómico diário inventado por Antonio Ricci – o primeiro autor de Grillo – que é emitido todas as noites pela Telecinco, do grupo de canais de Silvio Berlusconi). Em 2004 encontrou-se com Casaleggio e descobriu a Internet. A partir desse momento, entra na rede reproduzindo o esquema vertical da televisão e utilizando plataformas devideo on demand. Com Grillo, a televisão coloniza a Internet. Com ele, milhões de novos utentes conhecem a Internet numa maneira ideológica e dogmática. A hegemonia da televisão, que caracteriza o curto vinténio de Berlusconi, muda-se para o espaço da web 2.0. A rede transforma-se numa máquina para construir consenso e conformismo, em lugar de favorecer a participação e o intercâmbio entre diferentes sujeitos.
4. O liberalismo
A base da utilização da rede por parte de Grillo tem uma visão fortemente liberal: a rede, para o cómico, é o espaço onde se constitui a perfeita concorrência entre as ideias, onde se realizará a melhor atribuição dos recursos e a justa redistribuição da riqueza, a potenciação das “competências” e o reconhecimento da “meritocracia”. Tudo isto, segundo a ideologia de Casaleggio, deveria ocorrer sem conflito social e sem relações de força. É o que Wu Ming, num articulo de 2011, inserido num contexto mais amplo, chamou de "fetichismo digital".
5. A primazia das eleições
Grillo pôs na rede a sua fama, construída na televisão, procurando preencher o vazio de representação política. Esta enésima anomalia explica que o Movimento tenha começado com a ideia de ir “mas além da representação”, mas acabou por legitimar a delegação, o mecanismo eleitoral, a confiança no voto como única ferramenta para mudar as coisas. Olhando as atividades e os debates do M5S, é fácil verificar como tudo no seu interior está centrado quase totalmente na temática do voto e das campanhas eleitorais. Para os que participam no M5S, não se trata de mudar um sistema que não funciona, mas sim de substituir os governantes por “cidadãos”, os políticos profissionais por “pessoas normais”.
6. “Nem de direita nem de esquerda”
No início, para além das questões organizativas e do estilo comunicativo, o M5S era animado por temas principalmente “de esquerda” como a ecologia, a participação dos cidadãos ou a luta contra os abusos da classe política. Muitas vezes, os seus militantes usavam símbolos e lemas dos movimentos sociais globais, como a máscara dos Anonymous, as bandeiras contra o TGV em Valsusa ou as imagens das ruas das Primaveras árabes ou das acampadas do Estado espanhol. Mas o M5S sempre se definiu como “nem de direita nem de esquerda”. Não é uma medida para se distanciar dos partidos maioritários, unificados na adesão às políticas de austeridade. As análises do voto demonstram que o M5S obteve o seu boom eleitoral, na Primavera de 2012, na Sicília, recebendo os votos dos eleitores da direita desiludidos pelo partido-empresa de Berlusconi e o secessionismo xenófobo da Liga Norte. Isto sucede porque, em nome da representação de “todos os cidadãos”, o M5S faz também seus temas tradicionalmente de direita, como a desconfiança em relação aos imigrantes, a rejeição do direito de cidadania aos imigrantes de segunda geração, a petição da restauração da soberania nacional, o protesto contra os impostos e os gastos públicos. Na rede há imagens de um diálogo entre um membro da Casa Pound, uma organização neofascista, e Beppe Grillo. “A Casa Pound quer saber se tu és antifascista” pergunta o militante de extrema-direita. “Isso é um problema que não me diz respeito”, responde Grillo. As questões importantes são outras, diz o sócio de Casaleggio, de modo que um membro da Casa Pound poderia fazer parte sem problemas deste movimento. Não teria problemas: “Vocês estão aqui iguais a nós”.
Giuliano Santoro é autor de “Um Grillo Qualunque. Il Movimento 5 Stelle e il populismo digitale nella crisi dei partiti italiani” (Castelvecchi, edição atualizada em 2013).
Título original: GrilloTM for Dummies
Traduzido a partir da  versão em castelhano publicada na Sin Permisopor Luis Leiria, para o Esquerda.net

LEIA TAMBÉM:           
 O peste genovês 
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O momento eleitoral na Itália. Entrevista com Gianfranco Pasquino

http://guebala.blogspot.com.br/2013/02/o-momento-eleitoral-na-italia.html

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