Brasileiros apostaram R$ 4 bilhões
em sites estrangeiros de
apostas esportivas em 2012
O futebol brasileiro vive um momento de risco. Por um lado, a arrecadação de sites estrangeiros de apostas esportivas com usuários do Brasil quintuplicou entre 2009 e 2012 – ou seja, aumentou o contingente de interessados em acertar (no bom sentido) resultados de jogos de campeonatos e torneios. Por outro, nossa obsoleta legislação coloca os operadores dessas páginas em uma “zona cinza” jurídica e dificulta a detecção de eventuais esquemas para acertar (no mau sentido) resultados.
A manipulação de partidas de futebol é uma praga que se alastra. O mundo foi surpreendido com a revelação do escândalo do Calcioscommesse, após investigação entre 2011 e 2012, que mostrou o arranjo em jogos da segunda, terceira e quarta divisões da Itália. O mais estarrecedor foi divulgado no mês passado pela Europol, polícia com sede na Holanda que atua na Comunidade Europeia.
A investigação conduzida pela entidade apontou 680 jogos suspeitos entre 2008 e 2011, incluindo confrontos na América do Sul. Essa apuração não flagrou arranjos no Brasil. Um total de 425 pessoas foram apontadas como suspeitas de envolvimento e 50 delas foram detidas.
De acordo com a Europol, os manipuladores embolsaram cerca de US$ 11 milhões (mais de R$ 22 milhões) e distribuíram US$ 3 milhões (cerca de R$ 6 milhões) em subornos.
No Brasil, a legislação dificulta o monitoramento de possíveis deslizes, apesar do crescimento do número das apostas em sites estrangeiros.
O volume já é astronômico. Em 2009, usuários brasileiros gastaram R$ 800 milhões apostando em páginas do Exterior. O valor pulou para R$ 4 bilhões em 2012. Isso se aproxima dos R$ 4,2 bilhões arrecadados no ano passado pela Mega Sena.
A atividade é considerada jogo de azar, proibido desde a década de 1940. Mas há divergências. Alguns especialistas consideram legal a aposta em sites estrangeiros e comparam com o jogo em cassino de Las Vegas. Outros defendem que, se o jogo aqui surte efeito, fica sujeito às leis locais. Neste caso, é ilegal.
Por conta da antiga lei, os sites não são registrados no Brasil, o que dificulta a detecção de padrões “estranhos”, como a aposta de uma bolada de dinheiro bancando a vitória de uma equipe não favorita.
– O Brasil já conhece isso de perto, como vimos em 2005 com o caso Edilson. O que mais preocupa é que não se toma nenhuma atitude. O crescimento (das apostas) é normal, já que acompanha o ritmo de todo o mundo – lembra Pedro Trengrouse, membro do Conselho de Estudos Jurídicos do Ministério do Esporte e Coordenador de Projetos da Fundação Getúlio Vargas.
Em meio ao aumento das apostas, o Brasil está despreparado para reagir ao sinal de alerta que vem da Europa. O risco é cada vez maior.
"Eu aceitei dinheiro"
O brasileiro Joelson José Inácio, 28 anos, é um dos envolvidos no escândalo do Calcioscommesse, que estourou na Itália entre 2011 e 2012 e distribuiu sanções a um total de 117 pessoas. O atacante, que fez toda sua carreira na Europa, atuava pelo pequeno Grosseto, da segunda divisão, entre 2009 e 2010. Foi quando aceitou arranjar resultados, o que acarretou em sua suspensão do futebol por dois anos e meio. Em conversa com Zero Hora, revela como foi cooptado pelo esquema de manipulação.
Zero Hora – Como você foi convidado a manipular resultados?
Joelson – Um diretor do clube em que eu jogava me chamou um dia. A gente ia jogar contra o Ancona e precisava ganhar a partida para ir para o playoff que classificava à Série A. Ele perguntou se eu conhecia o goleiro do Ancona, que era o Da Costa, outro brasileiro. Pediu para eu conversar com ele, para ver se ele aceitaria o dinheiro do clube. No outro dia eu fui, mas o Angelo (Da Costa) recusou os 30 mil euros, que era a quantia. Mas outros jogadores do meu time tinham relacionamento com apostadores. Depois, nós fomos jogar contra o Reggina e um deles (Filippo Carobbio) veio me procurar para fazer a combinação desse jogo. Me ofereceu 22 mil euros. Nesse caso, eu aceitei dinheiro. O meu passe era do Reggina (Joelson estava emprestado ao Grosseto) e eu ia voltar para lá em dois meses. Eles precisavam ganhar, se não seriam rebaixados para a terceira (divisão), seria até bom para mim que eles ganhassem, e nós já não tínhamos mais o que fazer no campeonato. Quando ele (Carobbio) pediu para a gente, eu e mais quatro jogadores, não sabíamos que ele estava envolvido em um esquema tão grande.
ZH – Como foi o jogo contra o Reggina?
Joelson – Eu fiquei na reserva. Pela combinação, o Reggina tinha que ganhar por
2 a 0 e estava assim quando entrei. Acabei fazendo um gol, e os caras nem olharam para mim. O meu gol desfez o resultado combinado. Depois, teve um pênalti para a gente. Eu era o batedor, mas não quis bater. Tinha medo de acertar e afundar o Reggina. Quando a combinação não deu certo, nós devolvemos o dinheiro.
ZH – O que você planeja para o futuro?
Joelson – É cumprir metade da pena, porque depois disso, ela pode ser diminuída. Eu errei e estou pagando. Só está pagando quem falou o que aconteceu. Quem ficou quieto, aproveitou que a poeira já baixou.
ZH – Você se arrepende do que fez?
Joelson – Eu não precisava. O dinheiro que foi oferecido para mim, eu ganhava mais do que aquilo por mês. Eu fiz essa coisa me envolver muito fácil. Mas isso não é desculpa. Eu errei porque eu errei.
Quadrilhas, mistério e traição
A história de Tan Seet Eng, acusado de comandar uma quadrilha que manipula resultados de futebol pelo mundo, é um livro fechado. Há muita especulação e poucas certezas sobre a vida de Dan Tan, como é conhecido pelas autoridades policiais.
Ele seria o principal responsável pelo escândalo revelado pela Europol no mês passado. Não se sabe ao certo sua nacionalidade ou idade, mas a maioria das descrições o aponta como um chinês com cerca de 40 anos.
Em 2011, o jornal The New Paper, de Cingapura, conseguiu uma rara entrevista com o suspeito.
— Não sei por que sou descrito como um manipulador de resultados. Sou inocente — garantiu.
Seu nome surgiu pela primeira vez quando Wilson Raj Perumal foi preso na Finlândia, há quase dois anos. Na época, citou Dan Tan como um comparsa que liderava a quadrilha e o traiu.
A história da prisão de Perumal é um capítulo à parte. Em fevereiro de 2011, um homem de Cingapura entrou em uma delegacia de polícia de Rovaniemi, na Finlândia, e informou que seu compatriota (Perumal) estava na cidade com um passaporte falso. A polícia passou a seguir Perumal, até que o flagrou pagando propinas a três jogadores da equipe local.
Desde que Dan Tan foi apontado como chefe da quadrilha, a Justiça italiana emitiu mandado para sua prisão, mas como o suspeito não deixa o país onde vive, segue livre. O governo de Cingapura recebeu críticas por não cooperar com as autoridades policiais estrangeiras na luta contra os manipuladores.
Se Tan era realmente criminoso, parece ter mudado de lado nas últimas semanas. A rede inglesa BBC noticiou, no mês passado, que ele está ajudando a polícia de Cingapura nas investigações de manipulação de resultados. A informação surgiu dias após a prisão, pela Interpol, de um de seus supostos comparsas, o esloveno Admir Suljic, na Itália.
"É fácil ficar viciado"
Divertidos, cheios de alternativas e feitos para viciar. Estas são as imagens que um assíduo apostador usa para descrever os sites de apostas esportivas. Sem querer se identificar, o apostador diz que não tem expectativas de ficar rico ao colocar dinheiro nos jogos e o faz apenas para “dar mais graça” às partidas que acompanha.
Consciente, afirma que estipulou um limite de R$ 100 por ano para investir e “se divertir”, sem correr risco de perder muito dinheiro. Lembra que a maioria dos sites dobra o crédito do cliente que aposta pela primeira vez, numa estratégia que serviria para “fisgar” o jogador rapidamente.
— É preciso ter muito autocontrole. É fácil ficar viciado — garante.
O sistema dos sites permite a simples aposta em qual time vencerá a partida, mas há outras infinitas possibilidades, como, por exemplo, tentar prever se a soma dos gols marcados pelos dois times será par ou ímpar.
— Já fiz várias experiências. Uma vez, calculando que uma rodada de 10 jogos do Campeonato Inglês teria mais ou menos três empates, apostei em empate em todos os jogos. Às vezes isso funciona, outras não — ressalta o jogador.
É possível, também, apostar em combinações de resultados. Assim, o jogador consegue colocar um pequeno valor em várias partidas. Quando acerta todos os resultados, o lucro é bem maior, já que a premiação corresponde a todos os jogos que fazem parte da combinação.
O apostador, entrevistado por Zero Hora, revela que paga os sites com um cartão de crédito internacional. Diz que já sacou dinheiro de premiações, mas lembra que há sempre um valor mínimo – que varia dependendo do operador – para solicitar a retirada.
Neste caso, o pagamento é feito com transferência para a conta bancária do cliente.
Colorado, diz que chegou até a apostar contra seu time de coração.
– Assim é bom. Quando eu faço isso, não tem resultado ruim para mim – afirma o jogador.
O tema das apostas esportivas entrou na pauta dos ministérios do Esporte e da Fazenda. As discussões, porém, são embrionárias. Há planos de regulamentar a prática, o que facilitaria o monitoramento, mas tudo ainda depende de estudos de operação de um sistema que seria gerido pela Caixa Econômica Federal.
O problema é que a entidade está acostumada a lidar com operações como a Loteria Esportiva, em que o jogador banca apenas quem será o vencedor da partida. As apostas na internet são mais complexas e possibilitam, por exemplo, tentar prever quem marca o primeiro gol de um jogo ou a equipe que terá mais escanteios a seu favor.
Se o estudo concluir que há possibilidade de criar o sistema, o governo acredita na confiabilidade de um órgão oficial para atrair os apostadores que hoje recorrem aos sites estrangeiros. Existe também a percepção de que será necessário oferecer premiações competitivas. Quanto ao perfil de quem aposta, já se sabe que difere dos que tentam enriquecer com as loterias. O jogador costuma investir pequenas quantias e o faz como forma de divertimento.
Em outubro do ano passado, uma reunião do Conselho de Estudos Jurídicos do Ministério do Esporte discutiu a questão. A ideia de legalizar e, ao mesmo tempo, criar uma agência reguladora, capaz de monitorar a atividade e captar possíveis tentativas de manipulação de resultados, foi introduzida.
– É necessário instituições fortes nessas demandas, já que o futebol é de uma importância que vai além do esporte – afirmou, à época, o ministro do Esporte, Aldo Rebelo.
Não há prazo para avançar no tema, mas o Brasil analisará modelos de outros países antes de decidir os próximos passos. Um dos exemplos é o da França, que criou, em 2010, uma agência reguladora de apostas na internet.
FONTE: ZERO HORA / André Baibich
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