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sábado, abril 27, 2013

Histórico da criminalização de drogas
















Documentário sobre entorpecentes e a liberação das Marchas da Maconha mostram a necessidade de se olhar como o assunto foi tratado ao longo dos anos



Legalizar, descriminalizar, diminuir os riscos e os danos, mudar a política de combate. A quantidade de ações envolvendo as drogas mostra que o assunto, que nunca saiu de moda, está ainda mais em pauta que o normal. Se a história de alucinógenos pode se confundir com a própria trajetória da humanidade, a criminalização de derivados de certas plantas – como a canábis, a coca e a papoula – é bem mais recente. Por isso chama a atenção o ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso, que acaba de completar 80 anos, aparecer no documentário “Quebrando o tabu”, sobre a mudança do foco ao lidar com as drogas no mesmo período em que o Supremo Tribunal Federal libera os protestos em prol da legalização da maconha, as chamadas Marchas da Maconha - cuja proibição havia, inclusive, gerado um debate em nosso fórum. Coincidência ou uma demonstração de como as legislações que tratam o assunto estão precisando ser debatidas e reformadas?

Curiosamente, até o século XIX, e mesmo em alguns casos mais específicos, o início do século XX, não havia, em nosso arcabouço jurídico, uma lei que abordasse a questão das drogas. Por outro lado, algumas substâncias, principalmente os venenos, já tinham sua venda controlada, antes mesmo da nossa independência.

“Desde as Ordenações Filipinas, ordenamento jurídico português, com validade no território do Brasil Colônia, havia um item referido ao uso e à posse de determinadas substâncias”, comenta o sociólogo Paulo Cesar Pontes Fraga, do programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora, e que foi o coordenador de seminários em que se debateu a violência, as drogas e a sociedade. "O seu título 89 determinava que nenhuma pessoa poderia ter em casa, exceto os boticários, substâncias como ópio, rosalgar branco, vermelho ou amarelo ou solimão", lista as substâncias, lembrando que a pena para quem as possuía era o degredo na África.

"A 1ª lei da qual se possui registro histórico [sobre as drogas] é uma postura da Câmara Municipal do Rio de Janeiro que regulamenta a venda de gêneros e remédios pelos boticários de 4 de outubro de 1830, que proibia a venda e uso do pito de pango", complementa o historiador Henrique Soares Carneiro, professor na cadeira de História Moderna no Departamento de História da USP e também pesquisador do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos, sobre a denominação de um cachimbo para se fumar maconha e que, por associação, também apelidou a própria droga. "Havia multa ao vendedor e três dias de cadeia aos que usarem, explicitando-se aí escravos e demais pessoas. O critério, por explicitar escravos, era certamente de controle social", diz, demonstrando que pode haver na lei, inclusive, um viés discriminatório.

Segundo o sociólogo Paulo Cesar Pontes Fraga, o Código Penal do Império, de 1851, não tocava na questão de proibição, mas regulava o uso e a venda de medicamentos, enquanto o Republicano, de 1890, determinava uma multa a quem vendesse ou ministrasse substância venenosa sem prescrição nos regulamentos.

"É importante reparar a não referência a determinadas substâncias como maconha, cocaína ou ópio. O decreto legislava com a utilização do termo substâncias venenosas e, atrelado, notadamente, à prática sanitária", ressalta.

Aliás, um paralelo possível e sempre citado com a história das drogas é a trajetória dos medicamentos. As drogas legais que alteram a consciência - é interessante ressaltar – estão sempre entre as mais vendidas, mesmo com todas as exigências para a sua compra. O ansiolítico Rivotril ficou em segundo lugar na lista de 2010 no Brasil, por exemplo. O professor Henrique Soares Carneiro, em um artigo intitulado "Drogas, muito além da hipocrisia", citou o que para ele são as razões para o sucesso dessas vendagens: o atual sistema de patentes, que prioriza as grandes companhias farmacêuticas, em detrimento do pequeno produtor que nunca fez segredo de suas descobertas; o monopólio médico da prescrição, que deixa na mão de uma classe específica o poder de receitar este ou aquele remédio; e o mercado publicitário voltado tanto para quem toma como para quem ministra esses medicamentos, criando ou, pelo menos, reforçando novas demandas e necessidades.

"Sua outra contrapartida indispensável [para o crescimento dessas vendas de remédios legais] é a proibição concomitante do uso de diversas plantas psicoativas de uso tradicional – como a canábis, a papoula e a coca. As funções psicoterapêuticas que estas têm em medicinas tradicionais passaram a ser substituídas por pílulas farmacêuticas", argumenta ele, afirmando que “o maior número de usuários e dependentes de drogas na sociedade contemporânea são os consumidores de produtos da indústria farmacêutica”.

“A cocaína passou a ser vendida em farmácias na Europa, no século XIX, como medicamento para o tratamento de determinadas doenças como a depressão, a fadiga, neurastenia e, curiosamente, para a dependência de opiáceos”, adiciona o sociólogo Paulo Cesar, lembrando que a droga também era vista como um energético. “No Brasil, ela também foi vendida em farmácias para fins terapêuticos. Foi proibida, a partir de 1919, na Europa”, lembra ele, que ressalta que o cigarro era também receitado para tratamento de doenças no Brasil.

A partir de 1920, houve uma “onda mundial de combate ao uso de determinadas drogas”, segundo Paulo Cesar, agravada no Brasil com a troca, em 1932, da palavra “venenosa” para “entorpecente”, do artigo 159 do Código Penal.
 
“A mudança do termo concebeu uma alteração para além da questão semântica, representou uma nova postura, um novo olhar dos governos sobre as drogas, implicando em uma moralização crescente e, consequentemente, legislações cada vez mais rigorosas e a institucionalização de um aparato burocrático para cuidar da questão e repressivo para fazer cumprir a lei”, explica ele, dizendo que era um reflexo da mudança de postura no mundo todo. A partir de então, as legislações foram sendo modificadas para criminalizarem não somente o comércio dessas drogas, mas também o cultivo e o consumo.

Estudiosos da droga mostram a participação do Brasil no processo para jogar na ilegalidade o hábito de fumar maconha, por exemplo. Após as Guerras do Ópio, no século XIX, houve diversos encontros entre as nações para se discutir os procedimentos que os países deveriam tomar para combater certos entorpecentes. Após as reuniões de 1909, 1911, 1912 e 1921 com nenhuma referência à maconha, em 1924, o representante brasileiro, Pedro Pernambuco Filho, afirmou que os efeitos da canábis eram piores que os do ópio em nosso país.

“O resultado disso é que a Liga das Nações condenou a maconha. Depois que a ONU foi criada houve a primeira Convenção Única de Entorpecentes em 1961, assinada por mais de 200 países colocando a Cannabis numa lista, junto com a heroína, como droga particularmente perigosa. É algo que não tem razão científica nos dias de hoje”, diz o médico Elisaldo Carlini, do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid), e membro do comitê de peritos da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre álcool e drogas em uma entrevista para a "Revista da Fapesp" de fevereiro de 2010, deixando claro, porém, que era contra o uso da maconha – ou qualquer outra droga – para recreação.

Já o sociólogo Paulo Cesar acredita que as pessoas sempre “vão fazer uso de substâncias psicoativas”, independentemente de serem liberadas ou não. Por isso, ele sugere que, em vez de proibir, devemos tentar “reduzir riscos”. “Vejamos, o álcool é uma droga e seu uso abusivo faz mal, mas, hoje, há uma regulação e são raros os comerciantes que vendem bebidas para crianças e adolescentes, principalmente, para serem consumidos em seus estabelecimentos. No entanto, qualquer criança ou adolescente pode comprar droga com um traficante, pois sua venda não é regulada”, argumentando, porém, que a descriminação do uso pode “acarretar no acesso de um número maior de pessoas a determinadas drogas” e sugerindo que haja uma política integrada para diminuir a demanda.

O professor Henrique é ainda mais revolucionário: além da legalização de todas as drogas, ele sugere o controle estatal da produção e do comércio.

“O conjunto das drogas legalizadas acabaria com os efeitos nefastos do chamado ‘narcotráfico’, encerraria a ‘guerra contra as drogas’, libertaria os prisioneiros dessa guerra: em torno de metade da população carcerária tanto nos EUA como no Brasil”, escreve ele, dizendo que se lá essa “guerra” é uma fonte de lucro para o sistema penal privado, aqui, é um mecanismo de repressão social e racial. “Reduziriam-se os danos sociais dos usos problemáticos de drogas. Seriam potencializados os usos positivos, tanto terapêuticos como recreacionais.”

O debate, complexo, continua: deixe a sua opinião nos comentários. Você é contra ou a favor da descriminalização da maconha?

FONTE: REVISTA DE HISTÓRIA

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