A cruz e a espada
Quando os invasores portugueses resolveram ocupar a terra brasileira para plantar cana-de-açúcar e explorar minérios, procuraram resolver o problema dela já ter dono de duas maneiras. Uma, tentando o apoio dos indígenas, e a outra, eliminando ou escravizando aqueles que não quisessem se submeter. Para o meio pacífico foi utilizada a Igreja Católica, através dos seus padres, denominados missionários, especialmente os jesuítas. Os missionários eram sutis: aprendiam as línguas dos índios, seus costumes, e aí introduziam os cânticos da Igreja, suas pregações na língua indígena e ganhavam sua confiança. A seguir, tiravam os indígenas dos seus lugares de moradia, queimavam suas roças e casas , separavam homens e mulheres e os levavam para viver junto dos brancos a quem passavam a servir como escravos ou semi-escravos.
Mas não eram muitos os indígenas que se deixavam levar pela conversa mansa dos missionários, quando então eram dominados pela força das armas. Os índios lutavam – há muitas histórias de bravura, há registros de vitórias significativas, mas como o armamento era muito inferior ao dos brancos, acabavam sendo vencidos, mortos impiedosamente – especialmente os velhos e as crianças e os sobreviventes escravizados.
Nas Missões os índios eram proibidos de praticar seus costumes e tinham de seguir a religião católica. Os padres não tinham nenhum respeito pela cultura indígena, pois consideravam os índios seres inferiores. Até o famoso José de Anchieta, festejado pela História Oficial como amigo dos índios, disse certa vez que para eles “ não há melhor pregação do que espada e ferro”.
Uma missão especial
Na fronteira com o Paraguai, numa região hoje situada no Estado do Rio Grande do Sul, viviam índios da nação Guarani . Eles também receberam um grupo de jesuítas. Esses missionários, entretanto, pensavam diferente da Igreja oficial e da maioria dos seus colegas. Eles respeitavam a cultura indígena e defendiam que a terra era dos nativos, não podendo ser tomada por ninguém. Queriam que os índios se convertessem ao cristianismo, mas a partir da identificação da vida comunitária e solidária que levavam, com os princípios cristãos do amor ao próximo e do desapego às riquezas. Esses padres achavam que os guaranis reproduziam a vida dos primeiros cristãos contada nos Atos dos Apóstolos, onde todos colocavam o que tinham à disposição dos outros e não havia necessitados entre eles.
Uma república comunista
A Sociedade que empolgou o grupo de jesuítas tinha as seguintes características:
1. Davam ou trocavam entre si as coisas de que precisavam;
2. As terras e os bens de produção eram coletivos;
3. A sociedade era comunitária, o trabalho coletivo, havia ajuda mútua e solidariedade.
2. As terras e os bens de produção eram coletivos;
3. A sociedade era comunitária, o trabalho coletivo, havia ajuda mútua e solidariedade.
Os missionários integraram-se na vida dos guaranis e contribuíram com seu senso de organização. Assim, os povos foram organizados em sete aldeias que organizavam sua vida através de assembléias específicas na qual escolhiam uma coordenação. Discutiam também questões relativas ao conjunto e levavam suas propostas à Assembléia Geral dos Sete Povos, onde era eleita uma coordenação central. Funcionava de fato o poder popular. Naturalmente a síntese cultural não se deu de forma linear entre os indios e os jesuítas. Houve um momento, por exemplo, em que os padres cederam às pressões dos superiores e tentaram introduzir a propriedade privada, estabelecendo o trabalho em roças individuais durante alguns dias da semana. Os guaranis reagiram da seguinte forma: nos dias do trabalho individual, todos ficavam em casa deitados, conversando ou brincando pelas aldeias. Nos dias do trabalho coletivo, iam todos juntos para as roças, cantando alegremente. Construíram uma vida harmoniosa, solidária, sem exploração, onde o homem era irmão do homem e não o lobo. Por isso, a experiência ficou conhecida como República Comunista Guarani, pois tudo era comum e não havia superiores e subordinados entre eles.
Sepé Tiarajú– Quem conhece a liberdade não aceita a escravidão
A região dos Sete Povos das Missões estava no domínio do invasor espanhol que não tinha interesse nela, pois estava muito ocupado com o ouro e a prata do México e de outras nações que conquistara. Mas para resolver conflitos com os portugueses, os reis das duas nações invasoras fizeram nova divisão da América do Sul – O Tratado de Madri – que, assinado em janeiro de 1750, passava para o domínio português a região das missões. Os portugueses , a essa altura, não deixavam escapar o menor pedaço de terra sob o seu poder, querendo assim aumentar o poderio perante os outros países europeus.
Assim, acabou-se a paz dos guaranis que não aceitaram se retirar dos seus territórios. “Essa terra já tem dono”, diziam eles e passaram a organizar a resistência. Os padres ainda tentaram a interferência dos seus superiores da Igreja Católica para evitar a invasão, mas estes não lhes deram a menor atenção. Foi aí que se destacou a capacidade de liderança e de estrategista de um jovem de 27 anos, Sepé Tiaraju. Portugueses e espanhóis montaram um exército comum que foi derrotado em duas ocasiões pelo povo guarani, embora com armamento inferior .
Certa vez, caindo numa cilada, Sepé entrou num quartel português, de onde saiu ileso, apesar de receber uma saraivada de balas de todos os lados. A partir de então passou a ser ainda mais admirado pelo seu povo e temido pelos invasores que consideravam ser ele um ser sobrenatural. Na batalha final, travada em 7 de fevereiro de 1756, Sepé acabou cercado sozinho por mais de mil homens e ainda lutou muito tempo até tombar bravamente, aos 33 anos, depois de ferir o soldado que o acertou.
Sepé não era sobrenatural, como pensavam os invasores. Sua energia, sua bravura e as vitórias que obtinha eram inteiramente naturais, vinham do seu povo: Do amor à liberdade , do horror à escravidão, da defesa de sua terra.
Foram seis anos de resistência. Sepé tombou em combate. Seu povo foi vencido, escravizado e disperso. Alguns ainda lutaram em guerrilhas contra o invasor por vários anos. Jamais morrerá, entretanto, o seu exemplo,
O modelo econômico que o capitalismo invasor implantou no Brasil está esgotado. As classes dominantes (a burguesia e os latifundiários) não tem mais sequer a escravidão assalariada para o povo que, em sua maioria, sobrevive de biscates, de esmolas e de forma marginal.
Um povo que luta um dia vencerá
Mas este povo luta, de todas as formas possíveis, por emprego, por salário, por terra, por teto, por uma vida digna, enfim.
Chegará o dia em que os oprimidos não suportarão mais tanta exploração e seguindo, em todo o país, o caminho apontado pelos guaranis, pelos quilombos, por Canudos e por tantos outros, serão invencíveis. Aí a vida comum e solidária será retomada e algum historiador escreverá uma obra registrando a caminhada do nosso povo desde a República Comunista Guarani até a República Comunista de todo o Povo Brasileiro.
FONTE: Luiz Alves / Publicado no Jornal A Verdade nº 5
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