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sexta-feira, abril 05, 2013

Que fim levou a Sakineh?


Dia desses me deparei na linha do tempo do Facebook com o post de um amigo que dizia ter acordado querendo saber notícias da Sakineh Mohammadi Ashtiani, a iraniana cuja condenação à morte por apedrejamento sob acusação de ter traído e matado e marido causou comoção mundial há alguns anos. Mesmo sem ter sido solicitado, me senti compelido, na minha condição de correspondente no Irã, a compartilhar as parcas informações que se tem a respeito, já que o caso desapareceu por completo do noticiário.

Escrevi ao amigo e decidi estender a resposta, de forma mais elaborada, aos leitores deste blog.

Primeiro, uma boa notícia. Na verdade, duas. 1) Sakineh está viva. 2) A execução por apedrejamento não só foi cancelada como a lei iraniana baniu de vez essa prática de indizível barbárie, pela qual a pessoa é enterrada até o peito e leva pedradas até morrer.

A notícia não tão boa é que ela continua presa numa cadeia em Tabriz, importante cidade no noroeste do Irã. Sakineh, hoje com 45 anos, se encontra numa espécie de limbo jurídico, sem que se saiba ao certo se a sentença capital será aplicada de outra forma (enforcamento), se ela cumprirá pena de prisão ou se acabará libertada em virtude de alguma decisão política.

Um pequeno lembrete dos fatos – ou pelo menos da narrativa mais plausível, já que o caso é extremamente confuso e cheio de relatos impossíveis de verificar.

Sakineh pertence a um meio rural enraizado no extremo oeste do Irã. É uma região pobre e montanhosa, onde predomina a etnia azeri, que é completamente distinta dos persas, majoritários no país. Os azeris falam um dialeto turco e alguns sentem-se culturalmente mais próximos da Turquia ou do Azerbaijão, dois países cujas fronteiras ficam a poucas horas de carro de Tabriz, capital regional. Pratica-se nesta área um islã tido como mais conservador do que em outras cidades iranianas como Shiraz ou Kerman.

Sakineh, mãe de um rapaz e de uma moça, era dona de casa e fazia bico de babá em jardim de infância. Em 2005, seu marido foi dopado e assassinado com descarga elétrica por um primo dele e um comparsa. A polícia prendeu os dois homens e Sakineh sob suspeita de que ela tinha um caso com os matadores. Quem teria denunciado o suposto adultério é a mulher de um colega de trabalho do marido morto. O primo supostamente assassino foi condenado à morte, mas acabou perdoado pelos filhos de Sakineh e hoje está solto.

Já Sakineh confessou ter mantido “relações ilícitas com dois homens”. Há quem diga que ela se confundiu na hora de assinar a confissão de culpa por não compreender o farsi, idioma da Justiça iraniana. O processo foi todo truncado (e falho, segundo a defesa) devido às dificuldades de tradução do dialeto azeri para o farsi. Sakineh acabou condenada a um castigo físico: 99 chibatadas. A sentença teria sido aplicada na frente do filho.

Em 2006 iniciou-se o segundo processo de Sakineh, desta vez por suspeita de envolvimento na morte do marido. Ela foi inocentada das acusações de participação direta no assassinato, mas o juiz a considerou cúmplice. Após recurso, a pena foi reduzida de 10 para cinco anos de detenção. Mas eis que, de repente, algum juiz decidiu reabrir o processo por adultério, que já estava encerrado. Após uma série de reviravoltas confusas, Sakineh foi condenada à morte por apedrejamento (pena que NÃO consta no Corão). A Suprema Corte negou recurso e, em 2007, autorizou a execução.

Desde então, ONGs, governos ocidentais e advogados conduzem uma campanha para salvá-la.
A polêmica chegou ao Brasil no fim do governo Lula, época em que o movimento em defesa de Sakineh pressionava o Itamaraty a aproveitar sua até então ótima relação com o Irã para interceder em favor da condenada. Lula pediu a Teerã que a libertasse e até ofereceu asilo à mulher. O governo iraniano respondeu algo na linha: “não, obrigado, deixa que eu cuido dos meus assuntos internos”.

Mas a comoção internacional parece ter surtido algum efeito. Em 2010, o governo iraniano anunciou que Sakineh “não será morta por apedrejamento”. No ano passado, altas autoridades morais e judiciárias endossaram uma decisão anterior do Parlamento para banir o apedrejamento dos textos legais iranianos. O último apedrejamento de que se tem notícia aconteceu em 2007, segundo a agência de notícias Associated Press, cuja equipe em Teerã, formada apenas por iranianos, é geralmente bem informada.

Sobram dúvidas. O que será feito de Sakineh? Ela tem, afinal, alguma culpa no assassinato do marido? Mesmo que se tenha uma posição contrária à pena de morte, é importante saber o que realmente houve. Para além da Sakineh, o que a Justiça iraniana fará com os anônimos condenados à morte por apedrejamento, mulheres e homens, que aguardam a aplicação da sentença? A execução a pedradas foi abolida só para novos casos ou também para os antigos condenados? Acho que nem a Justiça iraniana tem essas respostas.

FONTE: Samy Adghirni / blogfolha.uol

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