O Brasil sempre ofereceu, a si mesmo e ao mundo, as
expressões de sua cultura profunda através do talento dos seus pintores e
músicos e poetas, como de seus arquitetos e escritores, mas também dos seus
homens de ciência, na medicina, nas engenharias, no direito, nas ciências
sociais. Hoje, a indústria cultural aciona estímulos e holofotes
deliberadamente vesgos e é preciso uma pesquisa acurada para descobrir que o
mundo cultural não é apenas formado por produtores e atores que vendem bem no
mercado.
(Milton Santos – Da Cultura à Indústria Cultural).
Segundo o novo tratado das elites econômicas
mundiais, quem determinará a hierarquia dos valores e das potências culturais
no novo achado do multiculturalismo contemporâneo serão os de sempre. São
fenômenos coligados à globalização financeira, e a tendência é a redução da
força dos povos nos assentos institucionais e a construção das janelas de uma
nova “consciência criativa” a partir da incorporação de um sistema hegemônico.
O que Carlinhos Brown fez suscitando uma enxurrada de críticas, não é algo
inédito e, muito menos uma ideia nostálgica extraída do deserto. Na verdade
Brown é somente um personagem de um jogo que com certeza se multiplicará com as
políticas lincadas entre países e corporações.
Aqui mesmo, no Brasil, tivemos uma ideia clara dessa absurda lógica que me
pareceu despercebida por muitos, quando, anos atrás, um grupo de empresários
alemães, em nome de um novo universalismo, sequestrou a cultura africana e
produziu uma milionária exposição no mundo com a cultura africana, assim como
fez no Brasil e, neste caso, bancada por recursos públicos, patrocinada por um
banco estatal. É esse aspecto no mundo das artes que mudou de maneira
essencial. É uma interpretação multidisciplinar para o benefício exclusivo das
elites.
É assim que um caxixi vira caxirola.
A capoeira, por exemplo já seguiu o mesmo destino, porque muitos sucumbiram
inteiramente ao império do dinheiro. São as normas da vida do neoliberalismo,
assim não há feitiço que vire contra o feiticeiro, até porque, no caso do
Brasil, em que quem deveria ser guardião dos nossos símbolos culturais, o
Ministério da Cultura, ao contrário, foi elogiado num artigo publicado pelo
Financial Times enaltecendo a Secretaria da Economia Criativa. O artigo é assinado
por Jimmy Greer, ativista cultural inglês e diretor de pesquisa e análise da
empresa Brazilintel.
É dessa leniência que vimos falando a muito tempo. Dessa triunfante economia
criativa que está em curso, realizando a apropriação de valores nacionais e
dando a eles perspectiva de valor de mercado a partir de suas patentes. Não
importa em que lugar do mundo estejam esses produtos, a presença maciça do
neoliberalismo cultural traz consigo interpretações diversas e múltiplas de um
mesmo sistema de dominação na era da inteligência.
É fácil combinar adequadamente, neste mundo, técnica e política e, assim,
produzir coincidências entre a produção histórica dos povos e a pretensão e a
cobiça das grandes corporações que hoje valorizam e povoam esse território. Por
incrível que pareça, eles fizeram um progresso fulminante no governo do PT, que
tinha como compromisso, em discurso político-eleitoral, a produção de mudanças
substanciais nessa lógica perversa.
Na verdade, como eu destaco aqui o paradoxo na formulação do pensamento de
Milton Santos e na atitude muscular de Carlinhos Brown, é que, em síntese, na
cultura, estamos valorizando cada vez mais a forma em detrimento do conteúdo.
FONTE: TREZENTOS / Carlos Henrique Machado Freitas
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