A morte do dançarino
Douglas Pereira, o DG, o desaparecimento do pedreiro Amarildo, a reação das
forças de segurança frente aos protestos no país. A cada novo episódio envolvendo
violência e policiais, cresce no Congresso Nacional a repercussão de propostas
de emenda à Constituição que pedem a desmilitarização da Polícia Militar. A
mais recente, de autoria do senador Lindbergh Farias (PT-RJ), conhecida como PEC 51/2013, prevê a reformulação do
sistema de segurança pública e o modelo da polícia no país.
Pela proposta, estados
passariam a ter autonomia
sobre que tipo de polícia seria adequada para seu território, uma ouvidoria
externa seria criada e o treinamento deixaria de ser vinculado às Forças
Armadas. Estados, municípios e a União teriam seis anos para implantar as
mudanças a partir da aprovação da PEC.
Na opinião do
sociólogo Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e
professor da PUC-RS, a criação de carreira única e do ciclo completo são os
pontos mais polêmicos da PEC 51. A carreira única, diz ele, acabaria com o
método em curso atualmente. “Praças e oficiais hoje entram na polícia por
concursos diferentes. O mesmo acontece com agentes e delegados.”
Instituição
Azevedo
avalia que os problemas que envolvem a polícia brasileira não atingem só a
instituição militar, mas a civil também. A figura do delegado, comenta, muitas
vezes é a de um bacharel que apenas dá a formatação jurídica ao caso, e não a
de um profissional comprometido com o desenrolar da investigação. “É preciso repensar o papel dos delegados”,
pontua. O especialista observa ainda que a hierarquia e os mecanismos
regimentais da PM dificultam a tomada de decisões por parte dos policiais. “A partir da experiência da ditadura
militar, houve uma explícita subordinação da PM ao Exército, e isso deixou
marcas. É preciso retirar essa cultura”, afirma.
Concorrência
O
professor de Direito Penal da UFMG Túlio Vianna diz que o ciclo parcial em
vigor hoje nas polícias Civil e Militar gera concorrência entre as
instituições. Ele acredita que a PEC 51 não resolverá, por si só, o problema da
violência policial, mas pode fazer com que o Brasil incorpore condições já adotadas em países europeus. Seria o
primeiro passo para se ter nas ruas uma polícia treinada para “proteger o
cidadão e cumprir as leis”, em vez de “combater o inimigo”. “Na Europa existe polícia militarizada,
mas ela não atua nos centros urbanos. Fica na zona rural, fronteiras. E mesmo
militarizada, não é estadual, mas federal”, compara.
Nos
Estados Unidos, Inglaterra e Austrália,
exemplifica, a polícia é civil. “Quem ingressa na carreira não precisa escolher
se será policial civil ou militar. Em qualquer lugar do mundo, o rapaz escolhe
ser policial. Ele começa a trabalhar na rua e depois, conforme a carreira vai
subindo, passa para a investigação.”
Base da PM reclama de
abusos e obrigações impostas
A repressão imposta
pelo sistema de hierarquia e disciplina nas instituições militares tem criado um paradoxo na luta pela
desmilitarização da Polícia Militar. Policiais têm clamado por deixar as fardas
de lado para desfrutar da liberdade e ficar distante dos abusos e obrigações
impostas pelo sistema militar.
“Hoje quem está
posicionado hierarquicamente acima tende a usar o regulamento para fins
espúrios”, conta um
oficial da PM, que pediu para não ser identificado. Segundo ele, a legislação
militar faz com que se cometam injustiças.
Liberdade de expressão
é um direito barrado pela hierarquia.
Outro soldado ouvido pela reportagem lembra que as patentes baixas não
participam dos debates. “A partir do momento em que o policial não tem
liberdade, fica sem dar ideias, opiniões. A reforma das polícias é tão ou mais
importante quanto a tributária e política”, afirma. A favor da PEC 51, ele defende a desmilitarização como medida inicial
para criar uma carreira de ciclo completo para as polícias estaduais. “Em
muitos momentos a legislação militar, à qual a PM está sujeita, é mais
importante do que a Constituição dentro desse sistema”, reclama.
O
policial, no entanto, faz uma crítica à proposta: ela cria uma carreira única.
“É como dizer que para ser engenheiro você tem que ter sido pedreiro”,
exemplifica. Na avaliação dele, é preciso que as polícias estaduais sejam uma
só. Além disso, é importante manter uma polícia municipal e federal. “Cada um
terá um tipo penal como atribuição e todas com ciclo completo.”
Empregado
Uma das maiores
reclamações dos policiais da base da PM é o uso do servidor como empregado
particular. De
acordo com o soldado, policiais são usados rotineiramente como motoristas de
oficiais, o que caracteriza desvio de função. Segundo ele, se reclamar, pode
tomar punição. “Somos polícia do estado
ou dos coronéis?”, questiona.
A
reportagem tentou ouvir a opinião do comando da Polícia Militar do Paraná sobre
o assunto, mas a assessoria de imprensa informou que a instituição não iria se
manifestar.
CONFIANÇA
A
pesquisa Índice de Confiança na Justiça 2013 (ICJBrasil), divulgada pela
Fundação Getúlio Vargas, indica que 77%
da população com renda inferior a dois salários mínimos não confia na polícia.
A mesma desconfiança abrange 59% da população com renda superior a dez salários
mínimos. Entre os que recebem de dois a dez salários mínimos, o descrédito
varia entre 63% e 65%. Os números fazem parte do 7.º Anuário do Fórum
Brasileiro de Segurança Pública.
PROPOSTAS
Além da PEC 51, outras
propostas também tratam da desmilitarização da polícia. Em 2009, o deputado Celso Russomano
(PP-SP) criou a PEC 430, que prevê a
unificação das polícias civil e militar no país, bem como a desmilitarização do
Corpo de Bombeiros. Em 2011, o senador Blairo Maggi (PR-MT) propôs que fosse
autorizado aos estados a unificação das polícias, a partir da PEC 102. Os projetos ainda estão em
fase de tramitação na Câmara e no Senado, respectivamente.
ALÉM DA FARDA
Apresentada
ao Congresso em 2013, a PEC 51 prevê uma
série de mudanças na organização do sistema de segurança pública:
•
Carreira única: a partir da fusão
das polícias militar e civil, haveria apenas um tipo de carreira policial no
país. A hierarquia ainda existiria, mas contaria com menos postos;
•
Ciclo completo: todo órgão policial
deverá realizar o ciclo completo de trabalho, o que inclui o policiamento
ostensivo, preventivo e investigativo;
•
Desvinculação das Forças Armadas:
treinamento policial deixaria de ter caráter militar e passaria a ter fundo
civil, com instruções mais voltadas ao policiamento comunitário;
•
Controle: polícia passaria a contar
com ouvidoria externa e com orçamento próprio;
•
Autonomia: entes federativos
ganhariam autonomia para definir o modelo de suas polícias. Cidades com mais de
1 milhão de habitantes poderiam ser responsáveis pela força policial local,
desde que os estados assim definissem;
•
Conversão: guarda municipal poderia
virar polícia municipal;
•
Responsabilização: julgamento de
policiais militares, hoje com tribunal próprio, exceto para os casos de
homicídio doloso, passaria a ser civil.
Em
linhas gerais, o senador Lindbergh
Farias defende a fusão das polícias militar e civil, a criação de uma carreira
única para seus servidores e o ciclo completo das atividades para toda a
polícia – o que inclui desde o policiamento ostensivo às investigações
criminais. Hoje as apurações sobre crimes ficam a cargo apenas da Polícia
Civil.
FONTE: Antoniele Luciano e Diego Ribeiro - Jornal Gazeta
do Povo
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