O coordenador nacional do MTST, Guilherme Boulos, expõe as razões que levaram o movimento a tornar-se um dos protagonistas dos protestos contra o Mundial.
Desde o início das obras da Arena Corinthians, há três anos,
os apartamentos no bairro de Itaquera, na zona leste de São Paulo, apresentaram
uma valorização de 50%, segundo o índice Finpe/Zap. Entre 2008 e 2011, o
aumento dos preços não passou de 10%. Não há como negar a relação entre o
advento da estrutura para a Copa do Mundo na região e a disparada da
especulação imobiliária. Nesse cenário, o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto
(MTST) tem assumido um protagonismo maior nos protestos contra o megaevento. Em
2 de junho, o grupo liderou a ocupação de um terreno em frente ao Parque do
Carmo, em Itaquera, a quatro quilômetros do palco de abertura do Mundial. Mais
de 2 mil famílias montaram barracões na chamada “Copa do Povo”. Na quinta-feira
8, o coletivo Resistência Urbana, capitaneado pelo MTST, organizou três frentes
de protestos em São Paulo. Os alvos foram as sedes das construtoras OAS,
Odebrecht e Andrade Gutierrez, responsáveis por erguer mais de metade das
arenas para a Copa.
Nesta quinta-feira 15 o grupo volta às ruas para participar
do Dia Internacional da Luta contra a Copa do Mundo. Articulada pelos Comitês
Populares da Copa, a série de atos deve ocorrer em 50 cidades brasileiras e
outras 15 no exterior. Embora crítico do processo de especulação imobiliária
desencadeado pelas obras dos estádios, Guilherme Boulos, coordenador nacional
do MTST, não encara o Mundial como o “cerne do problema”. Em entrevista a
CartaCapital, o ativista descreve as tratativas para tornar o terreno ocupado
em Itaquera uma Zona Especial de Interesse Social e seu encontro com Dilma
Rousseff (PT) e Fernando Haddad (PT) na quinta-feira 8, após os protestos
realizados em São Paulo, no qual foram abordadas a elaboração de uma nova lei
do inquilinato e uma política federal de prevenção de despejos forçados.
CartaCapital: Como foi planejada a ocupação do terreno em
frente ao Parque do Carmo, batizada de “Copa do Povo”?
Guilherme Boulos: A ocupação de Itaquera resultou do aumento
da demanda por moradia na região. O MTST foi procurado por grupos de moradores
e associações locais por conta do aumento no custo do aluguel, resultante da
especulação imobiliária. A partir daí fizemos reuniões com as famílias e
organizamos a ocupação. O nome foi aprovado em assembleia. Há uma indignação em
relação as contradições proporcionadas pelos investimentos da Copa. Sabemos que
este não é o cerne do problema. Temos uma crítica muito mais focada no
pagamento da dívida pública aos rentistas internacionais, que consome muito
mais dinheiro público do que a Copa. Mas há uma indignação popular.
CC: O MTST critica em especial a alta da especulação
imobiliária em Itaquera. A Copa é o principal motivo para a elevação dos preços
aluguéis e dos imóveis?
GB: A especulação imobiliária em São Paulo e nas grandes
metrópoles do país foi violenta nos últimos anos. Isso foi resultado dos incentivos
para o setor imobiliário e da construção, associados à facilitação do crédito
para o consumo. A demanda aumentou e com isso os preços. O mercado passou a
colonizar regiões que antes eram apenas periféricas. Com isso houve uma
expulsão de moradores que dependem do aluguel para regiões mais distantes, a
periferia da periferia. Não foi a Copa que causou este processo, mas ela
agravou o problema. Os investimentos associados ao Mundial potencializaram a
valorização imobiliária. Isso não é novidade. Onde há megaevento, há
especulação imobiliária pesada. A Relatoria de Moradia da ONU demonstrou isso
detalhadamente.
CC: Você foi à Câmara Municipal tentar convencer vereadores a
assinarem uma emenda no Plano Diretor que inclua o terreno ocupado entre as
chamadas Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS). Qual foi o resultado das
negociações?
GB: Entendemos que o terreno da Ocupação Copa do Povo tem
todas as condições de ser demarcado como ZEIS. É uma zona urbana, com
infraestrutura, com alto déficit habitacional e não está na Área de Proteção
Ambiental do Carmo. Ela está como Zona Especial de Desenvolvimento Econômico
desde o último Plano Diretor. Conversamos com o relator Nabil Bonduki (PT) e os
vereadores Paulo Fiorilo (PT) e Juliana Cardoso (PT), que são da região.
Acreditamos que será possível reverter o zoneamento.
CC: A Viver incorporadora e construtora pediu a reintegração
de posse...
GB: A Incorporadora pedir o despejo é algo esperado. Surpresa
seria o contrário. O problema é o Judiciário deferir o pedido mesmo com todas
as irregularidades que há na área.
CC: O prefeito Fernando Haddad mencionou que a área poderia
se tornar uma ZEIS, caso a empresa tivesse dívidas com o município. A Viver, no
entanto, garante que não há inadimplência nos impostos. Isso pode facilitar a
reintegração de posse?
GB: De fato não há débito, diferente da informação inicial
que tínhamos, mas o problema é muito pior. A área está classificada
fraudulentamente como área rural e por isso não está sujeita a IPTU. Paga
Imposto sobre a Propriedade Territorial. O valor anual é 57 reais! Por isso,
não há débito. Temos desconfiança que esta manobra possa ter ligação com as
práticas da máfia do ISS que atuou nos bastidores da Prefeitura em gestões
anteriores. A área está marcada como industrial há 10 anos. Paga ITR por
fraude. É sonegação evidente.
CC: Como foi o encontro com a presidenta Dilma Rousseff e
Haddad?
GB: No encontro com a presidenta apresentamos nossa pauta,
que não incluía apenas a desapropriação do terreno da ocupação Copa do Povo.
Incluía centralmente nossas pautas nacionais, com destaque para a elaboração de
uma nova lei do inquilinato, com controle social do reajuste do valor de
aluguéis, e para uma política federal de prevenção de despejos forçados. A
inclusão no Minha Casa, Minha Vida não basta. É preciso modificar pontos
importantes do programa: revogar a Portaria 595 (segundo o MTST, a medida
impede as prefeituras de indicar as demandas dos movimentos de moradia),
fortalecer a modalidade do programa via entidades e acabar com o valor fixo de
cada faixa, que induz a construção de conjuntos em regiões mais periféricas e
com pior qualidade.
CC: Qual é a posição do MTST sobre a realização do Mundial?
Não achamos que a realização da Copa tenha trazido benefícios
para os trabalhadores do país. O maior legado da Copa foi transferência de
recursos para as grandes empreiteiras e especulação imobiliária urbana. Há
contradições claras entre o discurso oficial e os fatos. Por isso o MTST tem se
mobilizado em relação ao tema e lançou, junto com a Resistência Urbana, a
campanha "Copa Sem Povo, Tô na Rua de Novo". No entanto, sabemos que
a direita mais atrasada, que se alicerça na grande mídia, usa a Copa para
fortalecer eleitoralmente os candidatos da oposição. O MTST não compartilha com
isso e busca pautar suas ações numa perspectiva classista e combativa, que
impeça a utilização oportunista de nossas lutas por estes setores. Embora o
governo do PT esteja longe de ser hegemônico quanto aos interesses populares,
Aécio [Neves-PSDB] e [Eduardo] Campos [PSB] representam um retrocesso. Ambos
não têm pudor em recorrer ao discurso neoliberal fracassado para definir seus
programas. Não nos representam. Estão do outro lado da trincheira.
CC: Os protestos contra as grandes construtoras na semana
passada estavam previstos para serem realizados simultaneamente à ocupação do
terreno em Itaquera?
GB: As ações da Resistência Urbana já estavam previstas desde
o início do ano, com o lançamento da Campanha “Copa Sem Povo, tô na rua de
novo”. Ocupamos as grandes construtoras para apontar os maiores responsáveis
pela especulação imobiliária e pela apropriação privada de recursos públicos.
As grandes empreiteiras são um câncer nacional. Precisam ser denunciadas por
seu patrimonialismo, superexploração de trabalhadores e captura do Estado pelos
interesses privados.
CC: O MTST participará também do ato de 15 de maio, o chamado
Dia Internacional de Lutas contra a Copa?
GB: O MTST estará nas lutas do dia 15, realizando uma série
de mobilizações entorno da pauta da Campanha Copa Sem povo. Não só no dia 15,
mas também no 22 e outras datas de luta até a Copa.
FONTE: CARTA CAPITAL / Miguel Martins
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