Em 16 de setembro de 1931, nascia em São Paulo uma das maiores entidades negra do século XX: a Frente Negra Brasileira. Vinha na esteira de diversas entidades que se formaram no início do século passado. Sua missão era a de integrar o povo afro-descendente à sociedade. Autodenominada "órgão político e social da raça", a Frente atingiu dimensões inusitadas, chegando, inclusive, a tornar-se partido político. Se pensarmos na situação social da época, em que o desemprego entre os homens era alto (as mulheres negras eram o pilar das famílias, pois o emprego de doméstica lhes dava algum salário), em que as condições de educação eram precárias, a Frente realizou feitos espantosos.
O decreto de 1937 assinado por Getúlio Vargas, que colocava na ilegalidade todos os partidos políticos, acabou ocasionando sua extinção.
Presidida por Arlindo Veiga dos Santos e depois por Justiniano Costa, a Frente abrigou diversas tendências, e daí nasceram vários conflitos. José Correia Leite, por exemplo, embora tivesse participado de sua fundação, foi dissidente logo no início.
O fato é que a Frente proporcionou à população desassistida e marginalizada não só assistência social, mas um meio de organização, educação (fundou uma escola) e combate ao preconceito. Teve inúmeras contradições.
Abaixo seguem dois trechos de depoimentos incluídos no livro "Frente Negra Brasileira", organizado pelo Quilombhoje. O primeiro é do saudoso Aristides Barbosa e o outro é de Marcello Orlando Ribeiro:
"A Frente Negra era única e respeitada por todos, assim é que em 1937 tinha candidato próprio. Naquela época, se não me engano, era o Raul Joviano do Amaral, bem jovem.
A Frente ia lançar candidato, nenhuma outra entidade de São Paulo quis lançar candidato. Você vê que era tal a consciência daquela época, daquele processo, que você chegava pro Cultura (clube da época) e perguntava: "Por que você não vai lançar candidato?". A resposta era: "Não vou lançar porque a Frente Negra vai lançar".
A entidade mais oponente, mais adversária da Frente era a Legião Negra, porque as duas se posicionaram em campos opostos na Revolução de 32, quando o governo de São Paulo queria que a Frente fizesse um batalhão para lutar por São Paulo. A Frente se recusou. A Legião Negra foi uma dissidência da Frente que formou o batalhão para lutar. A filosofia da Frente era a seguinte: 'olha, nossos irmãos estão tão dispersos pelo Brasil e, de repente, nós vamos entrar nessa briga São Paulo versus Minas, estamos nós aqui do lado rico matando nossos irmãos que estão em Minas'. Aí houve uma dissidência lá, acabaram fazendo a Legião Negra.
As duas entidades eram ideologicamente rivais, mas mesmo assim, na época da efervescência de se lançar candidatos, a Legião se recusou a lançar um candidato, que seria o tenente Arlindo, porque a Frente Negra ia lançar o seu.
Então havia essa coisa, havia essa consciência política".
Aristides Barbosa
"Eu ia todos os dias à Frente porque ali foi o ponto culminante da sociedade negra em São Paulo. Nós tínhamos pingue-pongue, dominó, teatro. Eu trabalhava e estudava. Eu ia na sede mais aos sábados e domingos. Nós, moças e rapazes, nos reuníamos mesmo quando não havia baile. Era um ponto de encontro, tinha um rapaz que tocava violão e cantava. Era um lazer de final de semana, mas havia moças e rapazes que iam para ser alfabetizados. Eu freqüentava a parte de teatro e ali era um local ideal, estritamente familiar. (...)
O objetivo era que o negro progredisse, conquistasse um lugar na sociedade".
Marcello Orlando Ribeiro
Hoje, 79 anos depois, podemos concluir que ainda há muito a aprender com aqueles que nos antecederam.
Fonte do texto: Fundação Palmares
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