Nossa mídia está visivelmente embaraçada com a inesperada ampliação do movimento dos indignados nos quatro cantos do mundo. Embaraçada, abobalhada e apavorada. Sobretudo com a versão americana, mais focada, mais centrada e mais politizada – anticonservadora, escancaradamente anti-Tea Party.
A cobertura das manifestações de sábado (15/10) foi apenas razoável considerando-se que nossos jornalões de domingo geralmente ignoram o que acontece no mundo na tarde ou noite de sábado. Dessa vez trataram dos eventos, mas este não é um movimento eventual, é uma onda, maré montante, idéia em ação.
Como escreveu o catedrático emérito de direito Norman Birnbaum no El País de domingo (16/10), esta não é uma revolta, é um movimento social com seculares antecedentes históricos. Segundo ele, finalmente abriu-se uma brecha no consenso de que este capitalismo global praticado hoje é a única via para o paraíso.
Crentes e descrentes
Não obstante, nossa mídia mostra-se nos últimos anos incapaz de perceber sutilezas. Radicalizou. Embruteceu. Tornou-se assumidamente reacionária. Confundiu canhestramente liberalismo econômico com liberalismo político e adotou, sem qualquer constrangimento, as postulações populo-conservadoras made in USA.
OGlobo foi o único jornalão que soube ir ao âmago da questão. Com o seu ar carioca e jeitão vespertino, preparou para a edição que deveria noticiar a manifestação mundial da véspera um bom suporte analítico. Encarou o capitalismo, discutiu-o. No dia seguinte, segunda (17), voltava ao estado natural. Estava quebrado um tabu.
A verdade é que nossa imprensa esqueceu as penosas vivências durante a ditadura militar, sufocou os naturais pendores progressistas preferindo apoiar FHC não porque o PSDB é o partido da social democracia brasileira, mas porque era parceiro do reacionaríssimo Antonio Carlos Magalhães, rei do antigo PFL.
A infiltração da Opus Dei na grande mídia (inclusive latino-americana) criou nas nossas entidades corporativas, na cúpula de muitas empresas jornalísticas, em “aquários” e mesmo em redações, uma vexatória submissão às chamadas “forças do mercado”. Esquecida de que é a única indústria cujo funcionamento é garantido pela Constituição, nossa imprensa engavetou o seu papel de guardiã do interesse público. A palavra regulação foi banida – em todos os campos, esferas, espaços, segmentos. Criamos em surdina um Tea Party caboclo, um Coffee Party, igualmente tóxico, desagregador.
O ex-presidente Lula colaborou na reacionarização da imprensa ao dar guarida a certas postulações simplificadoras sopradas da Venezuela. Isso lhe convinha tática e eleitoralmente, mas não convinha à evolução política e cultural da sociedade brasileira. Nem ao imperioso desarmamento dos espíritos. Danem-se os interesses nacionais.
A presidente Dilma Roussef (“la superpresidenta” como a designou a edição dominical do El País) está tentando reverter a situação. Crentes e descrentes, agnósticos e devotos rezam com o mesmo fervor para que seja bem sucedida.
Momento extraordinário
O mal está feito e a prova está numa irrelevância: na sexta-feira (14/10), apenas a Folha de S.Paulo (em nota microscópica) registrou que o biliardário Warren Buffet criticou publicamente o órgão americano equivalente à nossa Receita Federal, que taxou os seus rendimentos em 17% enquanto cobrava dos seus empregados quase o dobro, 30%. A obsessiva fixação na carga tributária cega a imprensa brasileira impedindo-a de examinar com o mínimo de equilíbrio o que pode haver de positivo na taxação das grandes fortunas e heranças.
Quando a ombudsman da Folha Suzana Singer investe contra o sistema de prostituição das capas dos jornais sob o disfarce de “informes publicitários” (ver "Parece, mas não é", 16/10, pág. A-8), na verdade está participando de um sit in dos indignados novaiorquinos contra a insanidade de Wall Street. Bem-vinda!
O filósofo-sociólogo polonês Zygmund Bauman é cético com relação ao movimento dos indignados (El País, 17/10). Tal e qual Montaigne há 400 anos, procura não se iludir, autoenganar: “A emoção é apta para destruir, inapta para construir”, diz. Está certo. Mas a emoção é fundamental para estabelecer vínculos e socializar convicções. Sem estas não se faz coisa alguma.
O mundo vive um extraordinário momento de tensão. Não foi por acaso que The Economist produziu aquela surpreendente capa “Be Afraid” (“Tenha medo”, edição de 1/10). No pólo oposto, Franklin Roosevelt proclamou há mais de 70 anos que a única coisa que os americanos deveriam temer era o próprio medo.
Coleguinhas, não tenham medo dos indignados. Eles são vocês do outro lado da rua. Querem apenas um mundo menos atribulado do que o proposto pelos adeptos da destruição criativa.
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