A corrida contra o tempo e a preocupação com o cumprimento do prazo repetem o clima anterior à Copa de 1950, diz o jornalista e comentarista esportivo Teixeira Heizer.
A expectativa de que uma "tragédia" semelhante não se repita acompanha a preocupação em relação ao cumprimento do prazo das obras no estádio. No mês passado, o Rio prorrogou o prazo de dezembro de 2012 para fevereiro de 2013, e, nesta semana, especialistas da Fifa manifestaram preocupação em Zurique.
"O que havia naquela época era essa perspectiva sombria de que não ia dar certo, de que não íamos ter o estádio pronto a tempo da Copa. Era uma expectativa dolorosa de que não íamos fazer as coisa a tempo, como hoje também", compara Heizer, que era uma das 200 mil pessoas assistindo à final da Copa de 1950, "espremido" no Maracanã.
Banda, balões e revoada de pombos
Veterano em Copas do Mundo, o jornalista João Máximo assistiu a todos os jogos da Copa de 1950 aos 15 anos, patrocinado por um tio abastado que financiou os ingressos dele e do irmão mais velho – na época, as entradas custavam 30 cruzeiros, pouco menos que o dobro do que os jogos normais no estádio custariam depois (cerca de 17 cruzeiros, recorda-se).
O jogo de abertura – que em 2014 será realizado em São Paulo – foi no Rio, sediado por um Maracanã inaugurado apenas uma semana antes, lembra. A partida entre Brasil e México foi em clima de festa.
"A banda do Corpo de Bombeiros tocou, soltaram pombos, soltaram muitos balões... Era época de São João, uma festa que ainda era muito comemorada na época, e os balões ainda não eram proibidos", conta Máximo. "A seleção brasileira ganhou fácil. O México era um adversário que não ameaçava o Brasil na época."
Máximo morava em Vila Isabel na adolescência, bairro vizinho ao estádio, e acompanhou a construção do estádio, no terreno onde antes havia o Derby Club, uma entidade de turfe, com pistas para corridas de cavalos.
"A minha garotada gostava de futebol e tinha pouca diversão. Acompanhamos as obras com muita expectativa. Na mente do brasileiro, a ideia de construir um grande estádio daqueles em pouco tempo era uma coisa muito emblemática", lembra Máximo. "Era um estádio construído para que o Brasil ganhasse a Copa. Isso na cabeça da garotada era algo muito forte."
22 meses e seis dias
O Maracanã levou um ano e dez meses para ser construído, tempo menor do que o previsto para a reforma atual. Mobilizou cinco empresas construtoras e 3.500 operários por dia, chegando a 11 mil no fim da obra.
Máximo foi à inauguração do estádio, uma semana antes da abertura da Copa, em 17 de junho de 1950. Era uma tarde de sábado.
O jogo, um amistoso entre as seleções de jogadores "novos" do Rio e de São Paulo, tinha entrada livre e clima festivo, com presença do então presidente, Eurico Gaspar Dutra, e das normalistas, as jovens que estudavam para ser professoras, vestindo uniformes.
O Maracanã ainda tinha andaimes nas arquibancadas. "O estádio não estava totalmente construído, foi inaugurado com estruturas de madeira perto das marquises. Isso deu a impressão de uma coisa inacabada", lembra Máximo.
Segundo a Superintendência de Desportos do Estado do Rio de Janeiro (Suderj), os andaimes ainda sustentavam parte da marquise no jogo inaugural e foram substituídos a tempo do primeiro jogo da Copa, na semana seguinte. Mas ainda ficou faltando acabamento e o Maracanã só foi concluído de fato em 1965.
No jogo inaugural, a vitória dos paulistas rendeu o apelido de "recreio dos bandeirantes" ao estádio, conta Máximo. "Os paulistas vinham e ganhavam sempre, desde a primeira partida. Depois, isso se equilibrou."
Copa no pós-guerra
A Copa de 1950 foi a quarta edição do mundial da Fifa e contou com a participação de apenas 13 países.
"Você tem que pensar que estávamos no mundo logo depois da guerra. A Europa estava saindo das cinzas. A Copa só foi realizada no Brasil porque ninguém queria fazer", diz Heizer.
Máximo lembra que diversos países não aceitaram o convite para participar, como Portugal e Escócia. Já a Itália quase não veio por causa da viagem. Em 1949, um desastre de avião matou toda a equipe do Torino, time que era a base da seleção italiana.
"Por causa desse medo, a Itália veio e voltou de navio", lembra Máximo.
Heizer tinha 18 anos, morava em Leopoldina e viajou ao Rio para assistir à final no Maracanã. Quase 200 mil pessoas assistiram à final entre Brasil e Uruguai, e cerca de mil ficaram do lado de fora esperando uma chance, ele lembra. Naquela época, era a única chance de ver, de fato, o jogo. Ainda não havia transmissão por televisão, apenas rádio.
"Entre aquelas 200 mil pessoas que estavam dentro do Maracanã estava eu, espremido entre duas pessoas mal cheirosas, suadas, que me imprensavam em um calor danado. Mas mesmo assim tenho na memória quase todos os lances do jogo", diz.
Depois da derrota, o futebol brasileiro mudou. "Eu tenho impressão que foi a partir daquela que o Brasil pôde se organizar para se tornar a maior potência do futebol mundial", diz.
Heizer tem fé que a seleção brasileira atual ainda vai mostrar o seu jogo, e não acha que a derrota do Maracanaço vai estar impregnada na memória do espectador em 2014.
"A Copa de 1950 já ficou para trás. Depois disso, o Brasil ganhou outras Copas, teve a seleção com o Pelé, teve a seleção de 1982. Haverá uma extraordinária expectativa, mas não ligada à tragédia de 1950, e nem inspirada nas epopeias passadas."
FONTE: BBC Brasil
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