Longa é dirigido pela neta de Jorge Amado, Cecília Amado
Qu’est-ce Que le Cinéma, o que é o cinema? Para tentar responder à pergunta, o francês André Bazin escreveu uma série de volumes que se tornaram a bíblia para muitos críticos. Não eram para o próprio Bazin. Às vezes, ele gostava de filmes que não se enquadravam nas normas que traçava. Ocorre com Capitães da Areia, o filme, um pouco isso. Cecília absorveu muitas lições no seu aprendizado como profissional de cinema. O filme soma influências díspares, até videoclipe. A irregularidade, a impureza, vira processo. Existem momentos em que o espectador, ou pelo menos o repórter, até gostaria de fechar os olhos para desfrutar a musicalidade da trilha de Carlinhos Brown. Um piscar de olhos já seria ter de desgrudar o olho do elenco, e do trio de intérpretes, que faz de Capitães uma rara experiência humana.
Jorge Amado era muito jovem quando escreveu Capitães da Areia. Romance da imaturidade, o livro está na origem, aos 24 anos, do seu envolvimento com o Partido Comunista. Escrito nos anos 1930, em plena ditadura do Estado Novo, Capitães carrega no background político. Cecília é a primeira a dizer que a política “foi para o espaço”. O que lhe interessa, uma lição do avô, é a humanidade dos personagens. Ela conta que o convívio com o escritor foi decisivo nos seus anos de formação, na década de 1980. O Jorge que conheceu não era o mito, mas o homem, o avô. E o que ela apreciava, o que Jorge lhe legou, independentemente da obra, foi a sua incansável curiosidade pelo outro. Jorge amava as pessoas, interessava-se, genuinamente, por elas.
Do nada?
A história do filme até parece conter elementos de Cidade de Deus e da série tirada do filme cultuado de Fernando Meirelles, Cidade dos Homens. Cecília trabalhou na O2, a empresa de Meirelles. Essa visão dos garotos de periferia, de rua, a violência. Tudo está no filme. Mas os meninos de rua não vêm do nada. Eles têm uma história, mesmo que seja de rejeição. Os Capitães de Areia criam uma família, a deles. Pedro Bala, o líder, Dora, sua mulher. A primeira coisa que se vê, ou não se vê, é a tela preta. E o som do mar. Antes que o filme se abra para a festa de Iemanjá - dia 2 de fevereiro, dia de festa no mar, e ele vai terminar em outra festa de Iemanjá -, o espectador que, por acaso, também foi leitor do livro, talvez seja levado, pelo som, a se lembrar do trapiche, onde ocorre uma parte importante da ação.
Carlinhos Brown, que desenhou a trilha, foi chamado antes que uma só cena fosse filmada. Ele participou do conceito. À simples menção do trapiche, Brown dispara a falar sobre herança cultural, sobre o casario da Bahia. Essa miscigenação - sons da África, que chegaram ao Caribe pela via baiana - está na trilha. Ele criou um belo tema para Dora, somou Batatinha e Cesária Évora aos sons dosCapitães. O tema de Dora não lhe vinha. E aí ele se lembrou de uma afilhada, filha de Guta Strazer. Dora e seus versos foram nascendo dessa outra Dora.
A personagem do livro, e do filme, é uma guerreira. Ela entra na narrativa menina, a mãe morta de bixiga. Dora e o irmão ganham Salvador. Vão parar na casa dos Capitães. A única garota entre todos aqueles meninos com a testosterona a mil. Alguns deles querem fazer dela a sua p... Dora vai ser a sua mãe. Ela se impõe ao grupo, até lutando capoeira, como um deles. Sua sedução atrai Pedro Bala e o Professor. Forma-se o triângulo.
Dessa convivência saiu um sonho. Os 12 criaram um grupo de teatro, logo chamado de Novos Capitães, mas para eles são Os Capitães, Agora por Nós Mesmos. Os Capitães preparam uma adaptação do livro para estrear no ano que vem, quando se comemora o centenário de Jorge Amado. Não só o de Jorge. De Carybé, também, que o ilustrou. Carlinhos Brown anuncia que prepara para o próximo carnaval, em Salvador, um projeto que vai se chamar Amado Carybé, homenageando o centenário dos dois.
FONTE: ESTADÃO
Capitães da Areia (2011) Trailer Oficial.
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