"Neo-imperialismo", "soft power", "invasão camuflada". Muitos termos têm sido utilizados para definir a recente guinada do Brasil rumo ao continente africano. O aumento da cooperação econômica, política e diplomática é uma realidade, especialmente após o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Para o diplomata Nedilson Ricardo Jorge, diretor do Departamento de África do Ministério das Relações Exteriores, a chamada política de cooperação Sul-Sul nada tem de imperialista, porque baseada em um interesse mútuo entre países em desenvolvimento.
"O Brasil abriu 19 embaixadas, mas os africanos abriram 17 aqui durante os últimos oito anos, não foi unidirecional, não é que estejamos invadindo porque eles não querem. Estamos cooperando porque eles querem", disse Nedilson Jorge.
Nesta entrevista ao Opera Mundi, o diplomata reconhece o crescimento da China no continente como um desafio para o país. "Não podemos negar que para algumas coisas (a China) é um competidor, assim como os Estados Unidos e a França são concorrentes comercialmente. Mas nós não vemos a presença da China como algo que obstaculiza ou atrapalha a presença brasileira", diz.
O Brasil demorou para reconhecer a importância econômica e geopolítica que o continente africano podia oferecer?
O Brasil sempre teve relações próximas com a África desde o início do processo de descolonização nos anos 1950 e 1960, quando abrimos várias embaixadas. Eu vejo mais como uma evolução natural, houve uma primeira fase em que a nossa presença na África foi mais escassa, mais limitada em alguns países onde havia um pouco mais de contato direto com o Brasil. Realmente, o que mudou foi o ritmo, não a visão.
Depois de 2003, início do governo Lula, houve uma intensificação nesses contatos, em particular no que se refere à abertura de embaixadas mas, sobretudo, a visitas de alto nível tanto do Brasil para a África quanto da África para o Brasil. Ao longo dos dois mandatos do presidente Lula, foram abertas 19 embaixadas. Hoje nós temos 37, dessas uma no Malawi já foi oficialmente aberta mas ainda não está operacional.
O Brasil, através do presidente Lula, defendeu uma posição de "cooperação solidária". Como estreitar ainda mais estes laços?
Houve uma intensificação desses contatos e maior a presença brasileira sobretudo em termos de visitas. O presidente Lula visitou mais de 25 países durante os oito anos de mandato, algo que nunca havia sido feito antes por nenhum outro presidente brasileiro.
O ministro Celso Amorim realizou mais de 60 visitas à África, visitou praticamente 40 países. Essas visitas de alto nível, sem dúvida, abriram caminho para intensificar as relações.
O Brasil, através do presidente Lula, defendeu uma posição de "cooperação solidária". Como estreitar ainda mais estes laços?
Muitas dessas iniciativas tomadas estão começando a dar frutos agora, as visitas e embaixadas que foram abertas estão começando a amadurecer os resultados agora quase 10 anos depois, quando a gente começa a assinar acordos e visitas comerciais.
Eu prefiro me referir à cooperação Sul-Sul porque parte de premissas um pouco diferentes da cooperação Norte-Sul. Em primeiro lugar, parte da premissa de que os dois lados tem a aprender e não é unidirecional e, sobretudo, não é uma interferência ou de acordo com os interesses do país que está dando e sim de acordo com as demandas e necessidades do país que está recebendo. A cooperação Sul-Sul também traz frutos para o Brasil, é na solidariedade, mas também no interesse mútuo. As áreas técnicas brasileiras que mais progridem são aquelas que prestam cooperação internacional.
Existem críticas de que a presença brasileira pode adquirir uma conotação de "invasão" ou poderia ser considerada como um tipo de "neo-imperialismo". O que o sr. pensa disso?
Nunca vi críticas que não sejam muito esporádicas nesse sentido. A nossa aproximação com a África é sempre baseada no interesse mútuo. O Brasil abriu 19 embaixadas, mas os africanos abriram 17 aqui durante os últimos oito anos, não foi unidirecional, não é que estejamos invadindo porque eles não querem. Estamos cooperando porque eles querem. Há países que abriram embaixadas aqui e fecharam embaixadas no Canadá, na Suécia porque queriam abrir no Brasil e optaram por essa cooperação. Eu não tenho esse receio de que a presença brasileira possa ser vista dessa forma.
O Brasil tem adotado uma nova forma de fazer política externa, o chamado ‘soft-power’?
Temos visões muito diferentes de certos países em relação a como ajudar países a se desenvolverem. Não acreditamos que é por meio de operações militares, sanções, bloqueios ou outro tipo de pressão. Achamos que é justamente pela cooperação e integração, não pelo isolamento. Partimos de certos princípios que às vezes nos levam a adotar visões diferentes em relação à solução de certos países.
Qual o diferencial que seduz tanto autoridades e lideranças dos países africanos? Por que o Brasil atrai tanto o interesse de países da África?
Há muitos diferenciais, não podemos esquecer que o Brasil é o segundo maior país de população negra do mundo, logo depois da Nigéria. Os laços histórico-culturais são importantes também nessa aproximação. Temos uma compreensão dos problemas africanos muito mais parecida com a que eles mesmos têm porque também somos um país em desenvolvimento. Ou já superamos ou ainda temos os mesmos problemas que eles têm. Então, há um diálogo muito mais natural entre o Brasil e esses países africanos. Esse é um diferencial importante. Pesa também o fato de não usarmos força militar, fazermos cooperação Sul-Sul sob demanda de acordo com os interesses mútuos.
Quais os laços de cooperação entre o Brasil e a África do Sul, no IBAS, que podem ser aprofundados? A relação entre ambos é equilibrada?
Nós temos mecanismos de coordenação com muitos países africanos. No G20, por exemplo, tem meia dúzia de países africanos que participam, na ASA (cúpula América do Sul e África) temos tido coordenação com todos os países, temos a CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa) que faz a coordenação muito estreita com os países de língua portuguesa.
A África do Sul se destaca porque faz parte do IBAS e do BRICS (blocos formados por Índia, Brasil e África do Sul; e Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, respectivamente). Eu vejo essa relação muito equilibrada, tanto que foi por essa razão foi assinada uma parceria estratégica entre Brasil e África do Sul por interesse mútuo no ano passado.
Há uma visão tanto da África do Sul quanto do Brasil de que esses países juntos –ainda mais com Índia no caso do IBAS– têm muito a oferecer um ao outro, economicamente, tecnicamente, cientificamente. Há muita complementaridade para desenvolver projetos comuns. Cada país tem vantagens comparativas em algumas áreas em relação aos outros e é uma relação de mútuo benefício.
A China entrou com força no continente africano. Os chineses são os principais concorrentes e rivais do Brasil na África?
Não podemos negar que para algumas coisas [a China] é um competidor, assim como os Estados Unidos e a França são concorrentes comercialmente. Mas nós não vemos a presença da China como algo que obstaculiza ou atrapalha a presença brasileira.
A China é também um parceiro estratégico do Brasil, inclusive temos consultas sobre a África, eu e o meu homólogo chinês. Temos muito mais a coordenar do que a concorrer. Lógico que, na área comercial, há competição por obras, licitações, vendas, mas isso acontece com todos os países independentemente de serem parceiros ou não. Mas não vejo a presença em si como algo oposto.
Quais os obstáculos que o Brasil enfrenta nessa inserção no continente?
Vejo que o principal obstáculo é um que não depende do governo: as ligações aéreas e marítimas. Esse é um desafio que nós temos. É preciso ter mais conectividade e, sem isso, realmente estamos chegando a um limite de expansão porque sem rotas marítimas e aéreas tem-se muito mais dificuldades. Esse é o nosso principal desafio.
FONTE: ÓPERA MUNDI
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