Valoriza herói, todo sangue derramado afrotupy!

terça-feira, agosto 14, 2012

A MESCLA DE COTAS SOCIAIS E COTAS PARA A POPULAÇÃO NEGRA!

NOTA DO QUILOMBO RAÇA E CLASSE




O Senado aprovou, no dia 8 de Agosto, o projeto de lei (PLC) 180/2008, que determina políticas de ações afirmativas em todas as universidades e escolas técnicas federais do país. A lei, que já havia sido aprovada pelos deputados e agora só depende da sanção da presidente Dilma, é uma mescla de cotas sociais e raciais (população negra). A lei prevê que 50% das vagas destas instituições deverão ser reservadas para alunos que cursaram todo o ensino médio em escolas públicas. Dessa porcentagem, metade será destinada a estudantes que tenham renda familiar de até um salário mínimo e meio (R$ 933,00). 

Dentro deste universo de vagas destinadas a alunos que vieram das escolas públicas, também serão aplicados critérios raciais: estudantes autodeclarados negros, “pardos” e indígenas terão cotas proporcionais à porcentagem da população de cada grupo nos estados em que vivem, de acordo com os dados do IBGE, não importando a renda per capita do aluno, contanto que ele ou ela tenha cursado escola pública.

A Polêmica das Cotas!

A aprovação pelo Senado causou um enorme impacto particularmente entre os ativistas do movimento negro que sabem muito bem há quanto tempo e o quanto se têm lutado por cotas neste país. Iniciada antes mesmo do golpe militar, a luta por ações afirmativas ganhou destaque já no período da democratização, quando o movimento negro se reorganizou.

De lá pra cá, e particularmente a partir do final dos anos 1980, o debate cumpriu um papel fundamental ao provocar a discussão sobre o racismo no Brasil, questão sempre negada (ou amenizada, chegando a ser chamado de “cordial”), em função dos lamentáveis danos provocados pelo mito-farsa da “democracia racial”.

A polêmica foi alimentada de diversas formas. Por um lado, houve a reação irada de intelectuais de direita, dos setores mais conservadores e racistas da sociedade, que saíram a público defendendo que não há racismo no Brasil ou que cotas violariam o princípio de “igualdade” previsto na constituição. Por outro, dentro da esquerda e no interior dos movimentos sindical, popular e estudantil e, inclusive, do movimento negro, não faltaram setores que também por não enxergarem o racismo como um elemento estrutural de nossa sociedade, rejeitaram a proposta, com argumentos de que isto “dividiria a classe”, na medida que não considerava os brancos pobres.

Além do refluxo que deu após a capitulação de grande maioria dos dirigentes do movimento negro pelo governo de frente popular, os quais se burocratizaram nos estafes de governo, abandonando a luta e as bandeiras da população negra.

13 anos, se passaram!

Um passo a frente que foi dado, mas cercado de contradições. A primeira contradição está no simples fato de que a lei só tenha sido aprovada 13 anos desde que começou a tramitar, dez dos quais o PT esteve no governo. Nesse “meio tempo”, as mobilizações dos movimentos negro e estudantil independentes do governo arrancaram cotas raciais em várias universidades do país, como a UERJ primeira universidade a implementar a política de cotas, a UNEB, UFBA, entre outras, e a Federal do Rio Grande do Sul, onde recentemente uma mobilização do movimento negro e estudantil, com ocupação da reitoria, impediu uma manobra do Conselho Universitário que visava atacar o sistema.

Enquanto isso, o governo do PT, apesar de muitas promessas, falatório e conferência, pouco ou nada fez para que a medida fosse implementada. Aliás, contribuiu concretamente para que ela fosse adiada, o que ficou evidente na votação do Estatuto da Igualdade Racial. Aprovado em 2010, o Estatuto teve as reivindicações históricas do movimento negro (que constavam de sua versão original) retalhadas por um vergonhoso acordo entre Paulo Paim (PT-RS), a SEPPIR (Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial) e senador Demóstenes Torres (DEM-GO) – ele mesmo, o lacaio de Cachoeira – que resultou na retirada de qualquer referência às cotas, à regularização das terras quilombolas e até mesmo aos termos raça, escravidão e identidade negra.

Da mesma forma que o Estatuto ficou muito aquém do que o movimento defendia a proposta aprovada esta semana também está longe do que os setores mais consequentes do movimento sempre defenderam. Como também, vale lembrar que a covardia política do governo foi jogada sob os holofotes depois que o movimento negro impôs uma vitória, também parcial, anterior: a aprovação, pelo Supremo Tribunal Federal, da constitucionalidade das cotas, o que minou o centro das desculpas que o governo, os reitores e seus aliados estavam utilizando para não aprovar qualquer política de ação afirmativa. 

Projeto ainda limitado!

Em termos raciais, assim como o Quilombo Raça e Classe (movimento negro que é filiado a CSP-Conlutas), e várias organizações sempre defenderam a aplicação de cotas diretamente proporcionais há população negra e totalmente desvinculadas das cotas sociais.

O PLC, no entanto, reduz a um quarto a representação à qual negros e negras têm direito, na medida em que, na prática, a porcentagem será considerada em relação à metade da metade das vagas. Vale lembrar, também, que a lei, ao mesmo tempo que prevê que a medida será aplicada apenas por dez anos (prazo duvidoso para eliminar o enorme abismo que existe entre negros e brancos no interior das universidades), também dá um prazo de quatro anos para que as universidades se adaptem ao sistema.

Além disso, o projeto não prevê mecanismos de permanência (como bolsa de alimentação e transporte) nem políticas de nivelamento acadêmico (que possam amenizar as deficiências da escola pública, enormemente sucateada exatamente em função das políticas neoliberais do governo). 

Para os negros e negras e todos aqueles que atuam com uma perspectiva de “raça e classe”, o projeto é ainda mais limitado. Primeiro, porque não está inserido num projeto global de “reparações” para a população negra. Da mesma forma que sempre defendemos as cotas como uma medida paliativa no combate aos absurdos efeitos do racismo na educação, também defendemos que a luta por ações afirmativas deva ser parte de uma luta mais ampla tanto contra o racismo quanto pela destruição do sistema que dele se beneficia.

Afinal, ter uma legislação que prevê uma maior entrada de negros e pobres nas universidades pode se transformar em letra morta, já que são estes mesmos setores que estão sujeitos a situações a condições sociais tão precárias que fazem com que os portões das universidades pareçam uma miragem cercada por obstáculos dos mais diversos.

Obstáculos instransponíveis como o desemprego crônico, os salários miseráveis, a falta de acesso à saúde e moradia e tantos outros, inclusive a eliminação física, tanto em função das péssimas condições de vida quanto pela crescente política de genocídio, capitaneada por agentes do Estado.

Bombardeio contra o ensino público!

Um exemplo de que o governo está tendo uma política a conta-gotas no que se refere ao combate ao racismo, particularmente na Educação, é sua completa falta de iniciativa (reafirmada pelo projeto aprovado) de impor políticas de ações afirmativas exatamente onde se encontram a enorme maioria (cerca de 80%) das instituições de ensino: as privadas, onde há grande número de estudantes negros e pobres.

Como também, o projeto se cala por completo em relação às políticas racistas e elitistas de algumas das principais universidades do país, as estaduais, como a Universidade de S. Paulo (que resiste ferozmente a qualquer tipo de ação afirmativa) e a Unicamp entre tantas outras, que mantém políticas que resultam em ínfimas porcentagens de negros e estudantes oriundos de escolas públicas em seus projetos de “inclusão”.

Nos últimos dez anos, com ímpeto ainda maior do que aquele utilizado para barrar uma política de cotas, o governo promoveu um bombardeio contra o ensino público deste país. Prova disto é a amplitude e garra da greve nas universidades federais, que há meses tem mobilizado professores, estudantes e funcionários em defesa de melhores condições de trabalho e estudo.

A intransigência com a qual Dilma e o ministro Aloysio Mercadante têm enfrentado o movimento é apenas um dos capítulos mais lamentáveis da série de ataques que o governo promoveu à educação, afetando, particularmente, os mesmos setores que, agora, são alvos da política de cotas. Afinal, ao retirar verbas da educação, e favorecer o ensino privado e sucatear a rede federal, atacando condições de ensino e trabalho, os governos de Lula e Dilma têm contribuído, em muito, para manter negros e negras, estudantes de escolas públicas fora das universidades e institutos federais.

Como também não pode ser desconsiderado que o projeto de cotas irá ser implementado dentro de um projeto mais global que, se depender da vontade do governo, na prática, irá jogar contra ele, na medida em que pode piorar ainda mais a já caótica situação das universidades onde as cotas serão aplicadas.

É isto que está previsto, caso o movimento não consiga avançar na luta pela implementação da Lei 10.639 (institui o ensino da história e da cultura da África nas escolas) e barrar a implementação de dois projetos já aprovados pelo governo Dilma e o mesmo Congresso que acaba de aprovar as ações afirmativas: que são a aplicação de 10% do PIB para a Educação somente (e talvez) em 2023 e o Plano Nacional de Educação (PNE).

A negação em destinar mais verbas para um sistema já agonizante é uma contradição aberta com qualquer política realmente coerente para garantir acesso à educação de qualidade, principalmente para os setores mais marginalizados da sociedade. Como também a política de cotas não podem servir como cortina de fumaça para um PNE que, através de medidas como o Reuni, precariza ainda mais as instituições federais.

Só a luta, traz vitórias!

Assim como a votação sobre o orçamento para a educação foi uma tentativa de desmobilizar o movimento estudantil, que se encontra em Ascenso país afora, a aprovação das cotas também pode ser vista à crescente mobilização do movimento negro, impulsionado exatamente pelo acirramento do racismo, um resultado direto do desprezo com qual o governo tem tratado a questão, sem negociar com os ativistas. 

Não se pode menosprezar, de forma alguma, que a medida foi aprovada, não só depois de décadas de lutas, mas também particularmente em um momento em que estamos vendo a série de mobilizações promovidas pelo “Comitê contra o genocídio da juventude negra”, em S. Paulo; a forte reação aos ataques às terras quilombolas, no MA, RS, RJ, MG, PE, SC e Bahia, por exemplo; a formação país afora de “frentes pró-cotas”, coletivos ou núcleos de discussão nas universidades e a indignação generalizada contra a violência policial e racista.

Exatamente por isso, é preciso que o movimento negro responda à aprovação do PLC da mesma forma que os setores combativos dos movimentos sindical e estudantil – têm feito: organizando-se de forma independente do governo e patrões e intensificando a luta, até que conquistemos o que negros e negras e a população pobre em geral precisa.

Elemento positivo, com limites e contradições!

E, apesar de todas as contradições e limites que apontamos, vemos um elemento radicalmente positivo na aprovação da lei. Não há como não saudar a entrada de um setor mais amplo da classe trabalhadora e dos oprimidos e marginalizados nas universidades, pois temos certeza que, exatamente pela sua origem, eles não demorarão a perceber, de dentro das salas de aula, a necessidade de se organizar e lutar pela universidade e a sociedade que realmente precisamos. Uma universidade composta e voltada para os interesses da maioria da população; uma sociedade livre do racismo, da exploração e da mercantilização do ensino. Uma universidade de e para os trabalhadores. Uma sociedade socialista. 

Contudo, os setores mais combativos do movimento negro e aqueles que defendem, como nós do Movimento Nacional Quilombo Raça e Classe, uma política que combine, permanentemente, raça e classe, não pararam de lutar (com diferentes políticas e perspectivas, vale destacar) por políticas de ações afirmativas, conseguindo levar o debate para todos os cantos.

Foi isto que garantiu, por exemplo, que, muito antes da votação do Senado, algum tipo de cota tenha sido conquistado em várias instituições de ensino. Por isso mesmo, não causa surpresa o entusiasmo dos ativistas com a aprovação do projeto.

Entretanto, mesmo que reconheçamos esta importante vitória, é preciso apontar seus limites e contradições. Principalmente para que não se caia no discurso dos setores governistas que, com a certeza da sanção da presidente, estão prestes a entronar Dilma como uma nova Princesa Isabel!

Movimento Nacional Quilombo Raça e Classe

Nenhum comentário: