Mauro de Bias
Três meses
após seu início, a maior greve da educação da última década no Brasil se
aproxima do fim. A paralisação suspendeu as atividades em 56 universidades
federais, de 59, além dos institutos de ensino médio. Na última semana, sete
instituições decidiram pelo final do protesto, após uma negociação com o
governo. Esta é a 18ª vez que professores federais interrompem os trabalhos
desde 1980. Nunca tantas instituições haviam aderido ao protesto como nesta
ocasião. Até então, a maior greve havia sido em 2001, com 52 instituições de
ensino. Apesar do número menor, ela durou mais tempo que a atual: foram 110
dias sem trabalho em sala de aula. Mas, dependendo do desenrolar dos fatos, ela
ainda pode ser ultrapassada.
Isso é o que conta Luís Acosta, professor da Escola
de Serviço Social da UFRJ e vice-presidente da Associação de Docentes da
universidade (AdUFRJ). “É impossível fazer uma previsão para o final da greve.
Gostaríamos de acabar hoje. Queremos retomar as aulas, queremos voltar à
normalidade. Porque, de qualquer forma, vamos repor o calendário, ou seja,
teremos problemas no futuro”.
Greve de longa data
As greves em setores da educação não são coisa
nova. Em episódio histórico de grande impacto, por exemplo, o movimento
grevista ficou por conta de estudantes, em 1907. Do outro lado do Oceano
Atlântico - mais precisamente em Coimbra, Portugal -, alunos da Faculdade de
Direito se uniram contra o que consideraram arbitrariedades dos professores
durante as avaliações de conclusão de curso. E assim começou uma greve
estudantil que se espalhou também por Lisboa e Porto, e depois por todo país. O
movimento foi tão intenso que desestabilizou o já frágil governo do então
primeiro ministro João Franco, que solicitou ao rei D. Carlos I dissolução do
Parlamento e plenos poderes para governar. Oficialmente, e com as bênçãos
reais, uma ditadura.
No Brasil não há histórico de uma greve
universitária tão forte a ponto de desestabilizar o governo federal ou ameaçar
o regime instituído, mas o movimento sindical causou muita dor de cabeça aos
líderes políticos e econômicos, principalmente ao longo dos anos 80. Com a
redemocratização e o movimento político fervilhando, professores e operários,
em paralelo puderam sair às ruas em defesa de seus empregos, salários e
condições de trabalho.
O
historiador Paulo Terra conta que a greve se tornou um mecanismo de protesto no
Brasil a partir de meados do século XIX, embora em 1791 tenha havido o registro
da primeira paralisação, na Casa da Armada. Até mesmo escravos eventualmente
suspendiam suas funções em protesto contra seus senhores, e autônomos, contra o
Estado.
Naquela época, trabalhadores se uniam em
associações que buscavam suprir direitos que o Estado não atendia, como pensão
em caso de doença ou morte de um dos integrantes do grupo. Buscava-se, nesse
tipo de sociedade, a ajuda mútua. O movimento sindical, da maneira como é
conhecido, só começa a surgir no início do século XX, junto com as tentativas
de formação de partidos. Nessa época, o pensamento grevista ganha força. As
influências mais fortes eram das correntes de pensamento socialistas e
anarquistas. Em 1917, com a Revolução Russa, o sentimento de poder de
participação política aumentou. “Mas as ideias não vinham só de fora, não.
Estudos demonstram que o Brasil não era passivo e que as pessoas tinham desejo
de interferir nos rumos do país”, alerta Terra. O professor também discorda da
imagem de que os trabalhadores eram cooptados nos sindicatos durante o Estado
Novo (1937-1945), já que muitas associações foram criadas por imposição do
governo.
Durante a ditadura militar (1964-1985), os
movimentos sofrem uma redução na atividade, mas não são totalmente extintos. As
negociações entre trabalhador e patrão acontecem, majoritariamente, por
intermédio do governo. Mas já perto do final do regime, em 1978, os sindicatos
voltam a ganhar força. Neste contexto, surge Luís Inácio Lula da Silva, como
líder das mobilizações no ABC Paulista, e o Partido dos Trabalhadores (PT). “É
a explosão sindical”, conta o doutor em História pela UFF.
Com a chegada do PT ao poder, os protestos de
trabalhadores passam a ser menores e menos frequentes. Um reflexo da intimidade
do partido com as centrais sindicais, na opinião de Paulo Terra. “De certa
forma, as centrais são meio compradas. Mas isso é relativo, porque quando o
Lula entrou houve uma greve grande do funcionalismo público. Não tão grande
quanto a atual, mas foi significativa”.
Favorável às
paralisações que ocorrem hoje no Brasil, dentro e fora da área da educação, o
professor defende este mecanismo como último recurso. “O principal são as
negociações. Houve tentativas, mas não foram bem-sucedidas. A greve, então, vem
e demonstra a força da classe trabalhadora. E a intransigência do governo, como
há muito tempo não se via, só consegue insuflar o sentimento grevista, em vez
de enfraquecê-lo”, afirma.
Entenda a greve, hoje
Na atual greve na educação, professores fazem três
exigências ao governo federal: salários maiores, reestruturação da carreira e
melhores condições de trabalho. A maior reclamação quanto aos ganhos mensais é
que eles têm sido cada vez menores se comparados a outras carreiras de
pesquisadores com responsabilidades análogas, como é o caso dos doutores do
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do Ministério da Ciência e
Tecnologia (MCT). Com a diferença de que nestes dois órgãos, não são
desenvolvidas atividades de ensino. Em 1998, ser professor rendia os melhores
vencimentos, com R$ 3.388,31.
No Ipea, ganhava-se R$ 3.128,20, enquanto no MCT o
contracheque registrava R$ 2.662,36 mensais. Com o tempo, estas duas carreiras
se valorizaram e hoje a diferença de salário entre um professor e um doutor do
Ipea passa de R$ 5 mil. São R$ 12.960,77 no Instituto, R$ 10.350,67 no
Ministério e R$ 7.627,02 (já com o aumento de 4% retroativo a março, dado pelo
governo quando a greve estourou) para um professor doutor universitário (na
classe adjunto I), com carga de 40 horas semanais e dedicação exclusiva.
Os docentes também exigem uma reestruturação da
carreira. O Andes afirma que a proposta apresentada ao governo foi construída
por meio de debates nos últimos. Luís Acosta, da ADUFRJ, reclama de distorções
na malha salarial da carreira e do excesso de bônus. “Nosso salário tem um
rendimento básico pequeno e gratificações. Nós contribuímos sobre elas, mas
será que elas vão contar para a nossa aposentadoria? Eu não sei. Queremos
acabar com isso, para que o professor tenha salário e só. Apenas uma linha no
contracheque. E as retribuições por titulação não seguem uma lógica. Nós
queremos estabelecer uma, de 5% a cada degrau”, afirma.
Na proposta de reestruturação enviada ao Ministério
da Educação, os professores extinguem as classes (auxiliar, assistente,
adjunto, associado e titular), reduzem o número de níveis de 17 para 13 e fundem
as carreiras de ensino básico e superior em uma só. “Conforme a titulação
aumenta e você sobe de nível, você ganha uma porcentagem de reajuste
significativa no salário”, explica Acosta. Na contraproposta do governo,
recusada pelo Andes, a redução de níveis é atendida, mas as classes se mantêm.
Além disso, a progressão do professor passaria a ser concedida pelo MEC, e não
mais pelas universidades, como ocorre hoje. Esta alteração seria um golpe na
autonomia universitária, de acordo com os grevistas.
Por fim, o aumento salarial - planejado em um
horizonte até março de 2015 - não contemplava perdas inflacionárias e faria
algumas categorias terem até perdas. A armadilha teria sido explicitada em um
artigo do professor Wagner Ferreira Santos, do Departamento de Matemática da
Universidade Federal de Sergipe, que foi publicado em blogs dos movimentos
pró-greve.
Após três meses, a paralisação começou a perder
força e as assembleias nas universidades já resultam em vantagem apertada dos
que são a favor de não retomar as aulas. Portanto, é possível que mais
instituições federais de ensino superior (IFES) votem pelo retorno à
normalidade nas próximas semanas, de acordo com alguns docentes favoráveis à
greve. Na UFRJ, professores do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais que
queriam a volta às atividades entraram em confronto com grevistas - inclusive
alunos - em frente ao prédio da instituição, no Centro do Rio de Janeiro. A
expectativa agora fica por conta das decisões das próximas assembleias.
FONTE: Revista de Historia / Mauro de Bias
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