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domingo, agosto 05, 2012

Notícias de Cambridge: negros também lotam cadeias nos EUA


Vocês lembram do primeiro pesquisador a fazer uma crítica séria sobre os números da redução de homicídios no Estado do Rio, que levantou um debate com a Secretaria de Segurança? Seu nome é Daniel Cerqueira, que enviou a nosso pedido artigo diretamente dos Estados Unidos, onde esteve participando de um seminário sobre "economia do crime". Vale a pena conferir.
Por Daniel Cerqueira*, especial para o blog Repórter de Crime
Cambridge, EUA, - Aconteceu semana passada a conferência anual sobre ‘economia do crime’ do National Bureau of Economic Research (NBER), um dos mais importantes "think tanks" americanos. Presentes estavam reconhecidos estudiosos do tema da academia internacional, que debateram por dois dias os últimos achados da pesquisa científica e suas implicações para as políticas públicas.

No momento em que toda a mídia americana se voltava para discutir a política de controle de armas de fogo, por conta do massacre de Colorado, essa foi uma ausência sentida no encontro. O mais curioso é que justamente os dois organizadores do evento, Philip Cook e Jeans Ludwig (professores das Universidades de Duke e de Chicago, respectivamente), eram nada menos do que as maiores autoridades do assunto, que ajudaram praticamente a sepultar na academia americana a idéia de que mais armas geram menos crimes, quando o efeito é justamente o inverso, como também demonstraram um trabalho meu e de João Manoel de Mello (PUC- Rio), no caso brasileiro. 

Mas... Como o debate na conferência pode ajudar a pensar a política de segurança pública no Brasil? De fato existem muitas similaridades e algumas diferenças entre os problemas enfrentados pelo Brasil e pelos demais países. A maior diferença, sem sombra de dúvida, se refere ao método de como as políticas são implementadas. Lá tudo é avaliado! Cada dólar investido nos mais diferentes programas é avaliado em termos de quantos crimes, potencialmente, se poderia diminuir; e qual o benefício econômico para a sociedade. Nesse quesito estamos há anos-luz de atraso: aqui se faz determinado programa porque parece bom. Mas se o programa é bom, pra que medir? Assim não saímos do eterno efeito Tostines. 

As semelhanças, contudo, são muitas. Por exemplo. Assim como no Brasil, os pesquisadores lá vivem reclamando da falta de dados... Claro que eles estão falando da falta de dados de qualidade, enquanto nós estamos falando da falta de dados pura e simples! Resta-nos esperar que o Sinesp saia do papel; que a tão propalada pesquisa de vitimização nacional seja divulgada e repetida periodicamente; que os microdados da polícia sejam divulgados integralmente (como muitos secretários prometeram); e que resolvam botar na agenda censos penitenciários nacionais periódicos, isto para falar apenas das informações mais triviais.

Outra similaridade entre o caso americano e o nosso diz respeito ao perfil das vítimas e do encarceramento. Tanto lá como cá são homens negros, jovens e com baixa escolaridade. Conforme discutido em uma pesquisa, o aprisionamento de negros envolvidos com drogas é maior do que o de brancos, mesmo quando consideradas inúmeras outras características, mostrando que há um viés racista no aprisionamento e na condenação de negros. Uma vez dentro da prisão, segundo essa pesquisa evidencia, o negro é duplamente discriminado, por ter menos acesso aos programas de tratamento de drogas. Ainda sobre a questão racial, outro estudo, mostrou as conseqüências mais duradouras da epidemia de crack nos EUA na década de 80, sobre a escolaridade, que se deu, sobretudo, para negros. 

Várias outras questões, que não têm muito a ver com a nossa realidade atual, foram discutidas. Entre essas, o uso em larga escala dos exames de DNA com efeitos significativos para fazer diminuir homicídios, estupros e roubos e furtos de veículos. Isto ocorre pois a manutenção da base de dados de DNA faz aumentar a probabilidade de identificação, prisão e condenação dos criminosos. O interessante aí é que, ao contrário do que se pensa, o seu uso em larga escala seria muito mais barato para prevenir cada crime, do que simplesmente adquirir mais viaturas e aumentar o efetivo policial, por exemplo.

Outra seção interessante foi a que discutiu um novíssimo relatório da Academia Nacional de Ciências sobre a eficácia da pena de morte para coibir crimes. As análises mostraram que o suposto efeito dissuasão ao crime pela pena de morte não pôde ser verificado empiricamente sendo, portanto, mais um mito que se disseminou.

Por fim, um trabalho interessante pela criatividade e por suas possíveis implicações de políticas públicas, inclusive no Brasil. Arnaud Chevalier e Olivier Marie, dois professores da London School of Economics, investigaram a relação da decisão de conceber filhos com o aproveitamento escolar e com a probabilidade do indivíduo vir a cometer crimes. Eles basearam sua análise num choque de fecundidade que ocorreu logo após a queda do Muro de Berlim, quando a taxa de fecundidade nos três anos que se seguiram caiu cerca de 50%. Isto teria ocorrido, basicamente, em função das maiores incertezas provocadas pela extinção do pleno emprego da economia comunista.

Segundo a análise, as mães que resolveram dar a luz no período eram, na média, mais jovens, mais propensas a riscos, menos educadas e não casadas. Os professores mostraram, por meio de métodos estatísticos robustos, que as crianças nascidas nessa geração aos 17 tinham uma pior relação emocional com seu(s) pai(s) e pior aproveitamento escolar. Até aos 21 anos essas crianças tinham uma probabilidade 50% maior de cometerem crimes e de serem presas. Chevalier e Marie chamam a atenção desses resultados para as implicações de políticas públicas.
Ainda que a sociedade tenha disponível os meios contraceptivos e de interrupção da gravidez, como era o caso em Berlim, uma proporção substancial de mulheres pode decidir ter filhos mesmo em situações mais adversas e sem condições emocionais e familiares para ter uma gestação de qualidade. Nesse caso, como prevenir dos efeitos indesejáveis dessa decisão sobre o futuro da criança e sobre a sociedade? Os autores assinalam que a opção viável é a intervenção do Estado logo na primeira infância, num período importante de formação do indivíduo, quanto ao desenvolvimento das suas capacidades cognitivas e de socialização. Nesse ponto, parece que estamos ingressando no primeiro mundo, pois finalmente parece quer resolveram levar a sério a creche em larga escala no Brasil.
*Daniel Cerqueira é técnico de Planejamento e Pesquisa da Diretoria de Estudos e Políticas Regionais, Urbanas e Ambientais do Ipea e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

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