"Branco significa puro"
argumenta a cantora nigeriana Dencia, durante uma entrevista para o canal
britânico de televisão "Channel 4", em defesa do creme clareador de
manchas escuras Whitenicious, desenvolvido por ela. O produto se tornou
polêmico após a artista negra aparecer com a pele significativamente mais clara
após usá-lo, causando um furor entre jovens africanos que, como a estrela pop,
desejam se tornar brancos.
O site do cosmético apresenta
informações vagas sobre sua composição, informando apenas a presença de
ingredientes naturais de alta qualidade. O rótulo do creme clareador menciona
extrato de aloe vera e vitamina C, componentes que, segundo a dermatologista da
Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) Valéria Petri, não são capazes de
promover um clareamento extenso total quanto o apresentado pela estrela pop
africana. Ela ainda alerta que o uso de vitamina C em grande quantidade pode
provocar alguns tipos de câncer de pele.
NEGROS
REJEITAM CREME CLAREADOR E FALAM DE PRECONCEITO EM SPA dermatologista acredita que o
Whitenicious contenha hidroquinona em sua fórmula, derivado da borracha com
grande potencial carcinogênico que é proibido no Brasil pela Anvisa (Agência
Nacional de Vigilância Sanitária). De acordo com ela, a substância também pode
provocar lúpus (uma doença autoimune), hipertensão e até mesmo a modificação do
DNA com prejuízo a gerações futuras. "Não há sentido em clarear uma pessoa
negra, porque ela foi preparada pela natureza com aquela quantidade de pigmento
para ser protegida do sol", afirma Valéria.
Mesmo com tantos riscos à saúde,
jovens africanos, indianos e norte-americanos estão pagando até U$S 160 por um
frasco de 60 ml do cosmético da empresa de Dencia, com sede na Califórnia, nos
Estados Unidos. O produto também tem causado a curiosidade de alguns
brasileiros, que aparecem pedindo informações em páginas de redes sociais de
sites especializados em importação.
Atacada pela imprensa internacional
e por comunidades negras, Dencia rebate dizendo que a polêmica alimenta suas
vendas e usa o Twitter para provocar seus críticos, como ao retuitar uma
seguidora: "o creme é para manchas escuras, mas se você sentir que todo o
seu corpo é uma mancha escura, use nele todo".
Comunidade
negra reflete sobre a autoestima
Para a cantora Sandra de Sá, este
tipo de produto pode abalar a autoestima do negro, mas a palavra-chave deve ser
consciência. "Não sou contra alisamento de cabelo, por exemplo, desde que
seja feito de forma consciente", e alerta: "pior que o preconceito, é
o complexo".
A deputada Benedita da Silva (PT-RJ)
lembra que todos têm direito a se submeter a tratamentos de beleza e que
alisamento de cabelo é um procedimento procurado não apenas por negros, mas por
pessoas de diferentes etnias. "Não podemos chegar ao ponto de perder nossa
identidade", afirma ao referir-se ao clareamento de pele da população
negra.
O gerente de projetos da Secretaria
de Políticas de Ações Afirmativas, da Secretaria de Políticas de Promoção da
Igualdade Racial, Felipe da Silva Freitas afirma que discutir por que os negros
não são valorizados como belos na sociedade é fundamental para entender o
interesse por esse tipo de produto: "É lamentável que este clareador de
pele se beneficie dos problemas que o racismo provoca na autoestima das pessoas
negras. E alerta: "existe uma tendência negativa de responsabilizar a
pessoa negra, que é vítima do racismo, pela reprodução do racismo".
Já o músico Macau --compositor da
música "Olhos Coloridos", que ganhou fama na voz de Sandra de Sá--
acredita que, embora os negros brasileiros tenham avançado nos últimos anos,
muitos também queiram clarear a pele com a intenção de abrir as portas da
sociedade. "Na hora de procurar emprego, por exemplo, o negro vai
concorrer com o branco, por isso ele imita a roupa e o cabelo do branco",
afirma Macau. "O negro deve deixar os porões da sociedade e abandonar a
cruz da escravidão", complementa o músico.
O rapper paulistano Max Dmn acredita
que o hip hop tem contribuído para que o negro brasileiro aceite sua cor e seu
cabelo e lamenta que exista um produto capaz de clarear a pele das pessoas. Ele
associa a baixa autoestima dos negros à falta de referência para as crianças da
etnia: "Você liga a TV e só vê desenhos animados com pessoas brancas de
cabelo liso e artistas brancos. Se não houver orientação da família sobre o
valor das diferenças étnicas, é claro que a criança vai querer reproduzir o
mundo maravilhoso que vê na TV", analisa Dmn.
Manifestações
de racismo não devem intimidar os negros
Benedita da Silva, que hoje tem 72
anos, diz que o cargo político não a livrou do preconceito e recorda que, na
infância, a discriminação racial a fez ter vontade de não ser negra: "tive
atitudes horrorosas de negação da cor da minha pele. Mas o apoio de uma criança
branca me fez dar a volta por cima antes de chegar à adolescência".
Diferentemente da deputada, Sandra
de Sá diz que nunca se apavorou com preconceito, mesmo na ocasião em que, há 28
anos, foi obrigada a usar o elevador de serviço para subir ao apartamento do
padrinho de seu filho Jorge de Sá, o músico Cazuza. De acordo com a cantora,
ela e seus pais agiram com tranquilidade, já sabendo o que aconteceria quando o
porteiro do prédio, que também era negro, proibiu que eles subissem no elevador
social: "O Cazuza e a mãe dele, a Lucinha Araújo, desceram querendo
prender o cara", lembra com bom humor.
Macau conseguiu transformar a
revolta do episódio em que foi vítima de racismo, no início da década de 80, na
letra de uma música que virou um dos principais hinos da comunidade negra. O
músico conta que estava com um amigo em uma exposição escolar no Estádio do
Remo da Lagoa, na zona sul do Rio de Janeiro, quando foi abordado por um
policial.
"Eu apresentei minha identidade
e ele queria que eu o acompanhasse. Uma discussão se iniciou quando eu não quis
acompanhá-lo. Então eu fui chamado de crioulo e apanhei". A confusão
terminou na delegacia onde Macau passou a noite até ser libertado por um padre.
"Quando saí de lá, fui para a praia do Leblon e chorei", lembra ao
contar como a letra de "Olhos Coloridos" surgiu em sua cabeça.
Mais de 30 anos se passaram e
histórias como a de Macau ainda se repetem, como a do ator Vinícius Romão,
preso por engano no Rio de Janeiro, em fevereiro de 2014. "Estes episódios
recentes demonstram que a luta contra a discriminação não está concluída na
sociedade", afirma Freitas.
Max Dmn lembra que há 15 dias saía
de uma agência bancária quando uma mulher em sua frente se virou para trás e
segurou a bolsa assustada: "Eu também
me assustei e olhei pra trás com medo, mas percebi que era pra mim que
ela estava olhando, era a mim que ela temia", conta o rapper que lamenta
ter ouvido da mulher um "obrigado", ao invés de "desculpa",
quando ele disse a ela que não iria assaltá-la.
FONTE:UOL / Luciana Pioto
A PROPÓSITO:
A PROPÓSITO:
Você acha que os negros ainda se
intimidam com o preconceito?
Sim, a discriminação ainda afeta a
auto-estima dos negros
Não, o preconceito é algo superado
pelos negros
Não tenho opinião formada
Nenhum comentário:
Postar um comentário