Deputados federais
apresentaram projetos de lei que dispõem sobre o assunto
Os deputados Osmar
Terra (PMDB-RS) e Jean Wyllys (PSOL-RJ) concordam em uma coisa: o Brasil erra
em sua política de drogas. No entanto, cada um apresenta soluções
diametralmente opostas para resolver essa questão. Enquanto o ex-ministro da
Saúde do Rio Grande do Sul propôs o PL 7663/10, que já passou pela Câmara e
aguarda votação no Senado, Jean propôs o PL 7270/14, que ainda não foi votado.
O primeiro prevê internação compulsória de dependentes químicos e o aumento das
penas para tráfico de drogas, já o segundo quer regular produção,
industrialização e comercialização de maconha. Para deixar claras as posições
de cada lado da discussão, “O Globo a Mais” fez dez perguntas semelhantes a
cada um deles. Afora as estatísticas que ambos usam para sustentar seus pontos
de vista, sobram posições firmes e bem definidas, em que endurecimento e
flexibilização duelam a cada resposta.
Por que endurecer a
lei antidrogas é a solução?
Osmar Terra:
Primeiro porque o Brasil não tem política nenhuma. Existe um plano bem montado,
o primeiro da história, que foi lançado em 2011 pela presidente Dilma. Mas esse
plano não está sendo executado porque alguns setores do governo jogam a favor
da liberação. Segundo, porque não existe nenhum exemplo histórico de que a
liberação é a solução. Liberar não é novidade. Se os países proíbem, e são
todos os 198 da ONU, deve haver uma razão. A única proposta de legalização de
uma droga veio do Uruguai. A regra é a proibição. Dizer que o proibicionismo
existe por influência dos EUA é uma bobagem. Isso é um mito. Você acha que
China, Irã e Vietnã seguem orientação americana? Todos esses países proíbem e
têm leis duríssimas. A proibição é fruto do sofrimento histórico das
sociedades, das tragédias que acontecem quando as drogas são liberadas. A
Suécia liberava todas as drogas até 1969. Quando percebeu os problemas sociais,
econômicos e de segurança gerados por elas, proibiu. Atualmente, o país tem as
leis mais duras da Europa. E, por isso, reduziu o consumo, o número de
homicídios e de acidentes de automóveis. Para um nível de comparação local, a
Suécia tem um quinto dos acidentes de carros de Portugal. Tem a metade de
homicídios. E os dois países têm populações semelhantes. A China tem
pouquíssimos dependentes químicos. Além disso, tem baixíssimos 13 mil
homicídios por ano. O Brasil tem 52 mil. E não dá pra comparar as populações
dos dois países. Políticas firmes reduzem o consumo e reduzem tudo que o
consumo traz junto: doença mental, acidente, homicídio, etc.
Por que endurecer a
lei antidrogas não é a solução?
Jean Wyllys: Todas
as estatísticas mostram que o endurecimento é ineficaz. A resposta que o Brasil
e o mundo deram ao consumo de drogas nos últimos anos foi a resposta da guerra.
Em nenhum momento se encarou isso como um problema de saúde pública ou uma
questão de liberdades individuais. O problema foi enfrentado apenas pela ótica
da repressão. E, mesmo assim, o consumo aumentou. Além do consumo, aumentam
anualmente os números de vítimas dessa “guerra às drogas”. No Brasil, são cerca
de 50 mil homicídios por ano. Uma grande parte deles está ligada a isso. Morrem
traficantes, policiais e civis, que não têm nenhuma relação com o problema.
Além disso, se você for traçar um perfil da pessoa que morre, ou que é
encarcerada, percebe que esse grupo é composto por pessoas negras, pobres e da
periferia. Apesar do volume de recursos empregados e das vidas sacrificadas por
essa política, o consumo só aumentou. Por que? Porque o Estado participa
indiretamente através da corrupção policial, que permite que a droga circule
livremente, através da corrupção de juízes, que vendem sentenças, e até mesmo de
políticos, cujas carreiras são finaciadas por traficantes. Não é justo que, ao
mesmo tempo, o Estado produza um discurso público hipócrita e participe
indiretamente do tráfico através da corrupção.
Por que
flexibilizar a lei antidrogas não é a solução?
Osmar Terra:
Flexibilizar como? Liberando a maconha? A maconha não é uma droga leve. Isso é
um mito. Ela causa dependência química. Pesquisas mostram que, quanto mais
jovem a pessoa começa a consumir, mais problemática é a questão. Uma pesquisa
do National Institute of Drug Abuse mostra que 50% dos adolescentes que usam
aos 16 anos ficam dependentes. Nos adultos, o percentual fica em torno de 10%.
Quanto mais imaturo o cérebro, maior o dano. Outra coisa: é impossível
discriminalizar o uso e criminalizar a venda. Como assim? Comprar não é crime,
mas vender é? Esse é o primeiro passo para a legalização. A “Folha de S.Paulo”
fez um editorial no dia 19 de junho de 2011 em que mostra toda a estratégia
para a legalização. E não é uma denúncia! É uma defesa! O primeiro passo é
descriminalizar o uso, depois liberar tudo para a regulação do mercado. Esse é
o objetivo. Isso não existe em lugar nenhum do mundo. Quer dizer que a Angela
Merkel é ignorante e só o Mujica é inteligente? São dois caminhos: ou
libera-se, ou controla-se mais. Todos que agem com rigor maior têm melhores
resultados.
Por que
flexibilizar a lei antidrogas é a solução?
Jean Wyllys: É a
solução porque a outra resposta não deu certo. Não sou eu que digo. Se olharmos
para o contexto internacional, veremos que presidentes e outros líderes
mundiais que se engajaram na “guerra às drogas” hoje dizem que aquilo foi um
equívoco. Segundo a ONU, há no mundo cerca de 300 milhões de usuários de
drogas. Desses, 80% são usuários de maconha. Então, a “guerra às drogas” é uma
“guerra à maconha”. Se a repressão não deu certo, é nossa obrigação apresentar
outra resposta. O que você chama de flexibilização, eu chamo de legalização e
regulamentação da maconha. É fundamental que a gente encare essa medida como
meio para reduzir essa estatística absurda de homicídios e para reduzir a
população carcerária, que hoje é a 4ª do mundo.
O que acha da
política de drogas implantada pelo Uruguai?
Osmar Terra: Um
desastre! Para a juventude uruguaia e para nós, que vamos receber um grande
incremento na importação de drogas. Assim como temos uma grande importação por
conta do narco-Estado da Bolívia, onde se planta coca livremente. O crack que
os meninos do Rio e São Paulo fumam vem da pasta-base boliviana, principalmente
depois que o Evo Morales assumiu a presidência. A questão das drogas é séria e
grave. Eu respeito a história do Mujica, mas ele está mal assessorado. O Julio
Calzada, que é o responsável por pensar a política de drogas por ele, é uma
pessoa que milita numa corrente filosófica. Eu estive no Senado uruguaio para
debater isso. Os argumentos deles estão longe de ter qualquer embasamento
científico. São ideológicos: “a pessoa deve ter a liberdade de usar”. São
argumentos que podem ser rebatidos da mesma maneira. Alguém que tem a liberdade
de usar e não consegue trabalhar por isso, prejudica a pessoa que tem que
trabalhar mais para sustentá-la. A liberdade também é um conceito social. Ou
todos têm liberdade ou ninguém é livre.
Jean Wyllys: De uma
forma geral, eu gosto. O único ponto de discordância é que o Mujica propõe o
controle absoluto do Estado sobre produção, comércio e consumo. Na sociedade em
que vivemos, não podemos prescindir do mercado. O mercado deve ser
regulamentado, sim, mas deve estar presente. Essa questão não pode ser
prerrogativa única do Estado.
Onde o Brasil erra
hoje nessa questão?
Osmar Terra: Erra
porque não estabelece uma política concreta. Nunca teve. Na prática, a gente
não consegue internar quem está doente. Nos Centros de Atenção Psicossocial, a
orientação não é manter a pessoa em abstinência. A orientação é reduzir danos,
quando o melhor resultado para a dependência é a abstinência. O dependente só
consegue estudar e trabalhar quando está em abstinência. No Brasil, não existe
execução de uma política pública. São muitas propostas e pouca prática. E a
culpa não é da Dilma, que criou um programa que pode dar resultado, mas do
segundo escalão, que faz as coisas não funcionarem.
Jean Wyllys: O país
erra ao não debater publicamente essa questão. Erra ao não enxergar que uma
resposta à violência urbana passa fundamentalmente pela questão das drogas. Os
presidenciáveis, quando apresentarem seus programas de governo, não poderão
fugir desse assunto. E, se fugirem, estarão sendo covardes e hipócritas.
É justo que os
usuários sejam punidos como são hoje?
Osmar Terra: Eu
acho que eles têm que ser convencidos a não usá-las. Drogas é uma doença
incurável. Eu não deixo que meus filhos tenham qualquer procedimento que possa
levá-los a contrair uma doença. A mesma coisa eu faço com as drogas. O meu
projeto mantém essa questão. Eu respeito o fato que a dependência é uma doença,
por isso o usuário não é preso. Mas, de alguma forma, isso tem que ser
considerado crime. Para constranger quem usa. Se não for crime, a pessoa vai levar
para a escola, oferecer para os amigos e vai aumentar o número de dependentes.
O álcool e o tabaco, juntos, têm 40 milhões de dependentes. As drogas ilícitas
têm 7 milhões. Se disser que não é crime, quem garante que esse número não vai
subir para 40 milhões? Minha lei é didática: ela ensina que o consumo não é uma
coisa boa.
Jean Wyllys: É
injustíssimo! Claro que não é justo. Primeiro, porque o Estado intervir no uso
que um individuo faz do seu corpo é ferir a dignidade humana, ferir a liberdade
individual. O que o Estado deve fazer é passar as informações sobre como o uso,
ainda que recreativo, interfere na sáude. Graças ao fato de o tabaco ser
regulamentado, o usuário conhece os componentes do cigarro e sabe que seu uso
pode provocar câncer, enfisema pulmonar e disfunção erétil. Com base nisso, ele
decide se quer usar ou não. E, se optar por utilizar, ele será tributado, como
o a produção e o comércio também são. Esses recursos arrecadados podem ser
empregados em políticas de prevenção em saúde. O usuário não deve ser
encarcerado. Sabemos como nossas prisões são. Pedrinhas e Carandiru são
exemplos públicos recentes do que acontece diariamente em nossas prisões. São
infernos. Que futuros estamos dando a quem é encarcerado por usar droga?
Droga é questão de
saúde ou questão de polícia?
Osmar Terra: É de
saúde, mas a polícia ajuda a prevenir a doença. Eu vim para o Congresso depois
que saí da Secretaria de Saúde do Rio Grande do Sul. Se a polícia não influir,
aumenta o número de doentes. Para diminuir o número de dependentes, tem que ter
polícia também. Quanto mais droga na rua, mais dependente. Até porque 25% da
população não tem defesa psíquica contra a dependência. São pessoas que têm
impulsividade maior, déficit de atenção, hiperatividade, transtorno bipolar,
depressão, síndrome de borderline, desvio de conduta. Gente que é vulnerável a
usar essas substâncias compulsivamente. São doenças do cérebro, assim como a
dependência é. Essas pessoas são oito vezes mais suscetíveis à dependência.
Dizer que a droga é apenas uma questão de saúde e que a polícia não pode
intervir está dando uma desculpa para deixar a droga livre, para que não haja
repressão.
Jean Wyllys: Droga
é questão de saúde. De saúde e de liberdade individual.
Qual sua opinião
sobre a repressão violenta a usuários, como aconteceu recentemente na
Universidade Federal de Santa Catarina?
Osmar Terra: Eu vi
noticiário, o pessoal estava fumando lá dentro. Não existiu repressão violenta
a usuários, existiu uma reação violenta dos usuários contra a polícia. E aí a
força policial tem que responder. Se fazer de vítima é a coisa mais fácil do
mundo. Pelo que vi ali, a polícia abordou algumas pessoas para ver se eram
traficantes e as pessoas reagiram. Sou contra qualquer tipo de repressão à
população. Mas a polícia não pode ser agredida, e foi isso que aconteceu em
Santa Catarina.
Jean Wyllys: Uma
estupidez! Em todos os aspectos. Volto a dizer: a melhor resposta que podemos
dar a um estudante universitário que está fumando um baseado é “cair de pau”
nele e trancafiá-lo em uma cela? Estaremos abortando o futuro dessa pessoa. Não
teremos a chance de apurar se ele faz uso recreativo ou se abusa da droga. A
distinção que tem que ser feita é entre uso e abuso. Quem abusa tem que ser
tratado como doente. Tem que ser tratado na perspectiva da saúde, não da
segurança pública. É uma estupidez, um absurso. Interfere nos direitos
individuais. Eu apresentei essa pauta no meu primeiro semestre de mandato. Essa
pauta (da legalização) é absolutamente condizente com todas as outras questões
de direitos humanos que eu trato.
A maconha é a porta
de entrada para outras drogas? Como se lidar com drogas como a cocaína e o
crack?
Osmar Terra: O
UNDOC (Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime da ONU) mostra que 83%
dos usuários de crack e heroína começaram com maconha. Por que? A maconha
sensibiliza núcleos que comandam a sensação de prazer. Regiões do cérebro ficam
sensibilizadas pela maconha e, portanto, mais suscetíveis a adição a outras
drogas. E sabemos que é difícil que exista usuário de uma droga só. O usuário é
normalmente multiuso. Sabemos que traficantes adicionam pedrinhas de crack à
maconha para aumentar a dependência.
Jean Wyllys: A
maconha não é uma porta de entrada. Isso é uma falácia que deve ser derrubada.
Cada droga tem uma dinâmica própria de consumo. Não há qualquer relação de
consequência. Um usuário de maconha não vai necessariamente progredir para a
heroína. Em países que empregam políticas que não são a repressão, a maconha
pode ser usada como uma redutora de danos. Se há uma droga que é a porta de
entrada, embora isso não seja ainda provado cientificamente, essa droga é o
álcool, que é legal e regulamentado. Entretanto, as pessoas gostam de criar
mitos para justificar um status quo que beneficia a elas. Incluindo aí o
próprio deputado Osmar Terra, que é médico, pasme! Sobre cocaína e crack, o
país deveria regulamentar todas elas. Eu não estou dizendo liberar. Atualmente,
a maconha é liberada: liberada de qualquer regulamentação. Há uma série de
pesquisas avaliando o uso de substâncias hoje ilícitas na cura de certas
doenças. Para que as pesquisas avancem, é fundamental que o Estado legalize
essas drogas e regulamente seu uso.
Como o país deve
lidar com as drogas lícitas?
Osmar Terra: Elas
obviamente causam dano, dependência química. Afinal, a maior causa de violência
química é o álcool. Políticas devem ser estabelecidas para que o consumo sejam
restringidos gradualmente. Como a Suécia lidou com isso? As lojas que vendem
álcool são concessões públicas e, por isso, existem em número reduzido. Não
pode comprar no posto de gasolina ou no mercado da esquina. Além disso, existe
um cadastro. Quem compra grandes quantidades com frequência é convidado a fazer
tratamento. Isso faz com que a Suécia, que tem a mesma população do Rio Grande
do Sul, tenha 90 homicídios por ano, contra 2000 do RS. Quando se age com
rigor, tudo melhora.
Jean Wyllys:
Atualmente, temos duas drogas lícitas cujo consumo é estimulado e que são
altamente consumidas. Elas, claro, têm impacto na questão de saúde. O que a
gente faz é salvaguardar esse direito delas de uso, esse direito de dispor de
seus corpos, de consumir substâncias recreativamente. A gente regulamenta. Se
fazemos com álcool e tabaco, por que não fazer com maconha? Meu projeto de lei
prevê que um conselho paritário acompanhe a implementação da política e obriga
o Estado a renovar anualmente sua lista de drogas ilícitas. Além disso, prevê
que o Estado leve em conta pareceres científicos sobre os usos medicinais de
certas drogas ilícitas. Essa lista tem que estar de acordo com resultados da
ciência. O projeto altera também todas as leis vigentes para o álcool e o
tabaco e inclui a maconha. Por fim, modifica as leis que não fazem distinção
entre drogas lícitas e ilícitas e usam a palavra “droga” para caracterizar as
substâncias ilícitas.
O que o senhor acha
dos pontos de vista defendidos por Jean Wyllys?
Osmar Terra: Eu
respeito as bandeiras dele e concordo com boa parte do que ele fala. Mas acho
que, nessa questão, ele está querendo entrar na moda. É um modismo e falta de
conhecimento científico e histórico. Por isso, eu considero essa posição
equivocada. Esse assunto merece um debate mais profundo.
O que o senhor acha
dos pontos de vista defendidos por Osmar Terra?
Jean Wyllys:
Absolutamente equivocados. Eles partem do senso comum e, às vezes, da
desonestidade intelectual. Reduzir todos usuários de drogas ilícitas a usuários
de crack é estupidez. Sustentar que maconha leva ao crack é estupidez. Não
distinguir uso de abuso é estupidez.
* Entrevistas
publicadas no vespertino O Globo a Mais
FONTE: O GLOBO
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