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quarta-feira, abril 02, 2014

Seção “Não são gentlemen”: Barrabravas argentinos intensificam violência enquanto preparam as malas para viajar para a Copa


Mais de 50 times de futebol da Argentina, desde os grandes Boca Juniors eRiver Plate aos pequenos El Porvenir e o Chaco For Ever, estão padecendo uma intensificação generalizada das atividades dos“barrabravas”, denominação nativa para os “hooligans”. Tiroteios, assassinatos, espancamentos, extorsões e depredação da propriedade privada e pública foram a tônica no futebol local nos últimos meses, somadas às costumeiras atividades de vendas de drogas, revenda de entradas nos estádios, entre outras. No meio da polêmica sobre esta escalada de violência os responsáveis por estas ações estão planejando detalhadamente sua viagem ao Brasil, onde pretendem assistir os jogos da Copa do Mundo.
Ou, caso não consigam as entradas (a imensa maioria destes barrabravas, segundo informações extraoficiais, ainda não contam com os tíquetes), ficariam do lado de fora dos estádios, fazendo o que os argentinos denominam de “el aguante” (expressão local para designar a exibição de respaldo enfático que uma torcida propicia a seu time).
‘ROLÊ’ NO BRASIL - Uma comitiva de dez barrabravas viajará a Porto Alegre no final de março para reunir-se com contatos locais – entre eles José “Hierro” Martins, da Guarda Popular, do Inter – para preparar o desembarque do contingente das torcidas organizadas argentinas, que usariam a capital gaúcha como quartel-generalpara as viagenspelo resto do país. O grupo argentino estáorganizando o financiamento da viagem desde 2011.
Diversas estimativas indicam que ao redor de 650 barrabravas de 38 clubes argentinos viajariam ao Brasil em dez ônibus para estar presentes durante a Copa. Este volume implicaria em um aumento de 150% em comparação ao número de barrabravas que viajaram à Copa da África do Sul em 2010.
Estes barrabravas integram a Torcidas Unidas Argentinas, entidade conhecida pela sigla “HUA”, que se auto-apresenta como uma ONG para divulgar a “cultura do futebol”. Mas, enquanto que na Copa de 2010 os barrabravas desta organização contavam com lideranças fortes que serviam de interlocutor com diversos integrantes do governo dapresidente Cristina Kirchner, que lhes conseguiam financiamentos, atualmente não possuem um comando único, além de receberem apoios econômicos por parte de aliados da Casa Rosada e da oposição.
Analistas esportivos consultados pelo Estado sustentam que este cenário de atomização das lideranças e vínculos complicou nos últimos anos o controle da violência dos barrabravas por parte das forças de segurança. No entanto, as autoridades argentinas prometem fiscalizar estes grupos violentos que viajarão ao Brasil. Mas os críticos ironizam, afirmando que o governo Kirchner sequer consegue controlar os barrabravas dentro do próprio país.
O município de Quilmes, na Grande Buenos Aires, foi o cenário de confrontos de barrabravas na semana passada. Os torcedores do clube Quilmes, famosos por sua violência, espancaram os rivais do All Boys com pás, além de desferir punhaladas. Além dos conflitos com outras torcidas, os divididos barrabravas do Quilmes também protagonizam combates internos. Segundo o deputado Fernando Pérez, da União Cívica Radical (UCR), “a Copa acelera as disputas porque os barrabravas se desesperam por financiar suas viagens ao Brasil”.
Estimativas das agências de turismo indicam que 15 mil argentinos viajariam ao Brasil para participar dos eventos da Copa. Mas, deste total, apenas 4.300 argentinos conseguiram entradas por intermédio da site na internet da Associação de Futebol da Argentina (AFA). Uma parte destes visitantes conseguiriam entradas por intermédios dos cambistas. No entanto, a maioria ficaria sem entradas.
MORTES E BUSINESS - Desde o primeiro ataque protagonizado por barrabravas com saldos fatais na Argentina em 1924 até o ano passado haviam morrido 230 pessoas, além de milhares de feridos. As brigas, que até os anos 80 eram resolvidas a base de socos e pontapés, nos últimos 30 anos foram definidas a base de armas de fogo. Nestes 90 anos a Justiça argentina foi costumeiramente omissa, já que pouco mais de três dezenas de pessoas foram condenadas por essas mortes entre 1924 e 2013.
Ao contrário de outros países onde as torcidas organizadas mais violentas estão vinculadas a grupos de skinheads e neonazistas, na Argentina os barrabravas possuem fortes laços políticos e econômicos com ministros, senadores, deputados, governadores, prefeitos e vereadores, para os quais trabalham organizando comícios, cabos eleitorais e seguranças.
Nos últimos anos na cidade de Buenos Aires e nos municípios da Grande Buenos Aires os barrabravas assumiram gradualmente o controle dos flanelinhas que circulam nas áreas dos shows de rock, estádios de futebol, exposições e demais lugares de passeio dos habitantes da área. Os barrabravas também estão vinculados ao tráfico de drogas, que cresceu de forma acelerada na última década no país. As lideranças destas torcidas organizadas obtêm dos cartolas dos times argentinos entradas para os jogos que são revendidas e também arrancam dízimos dos vendedores de cachorro-quente e outros camelôs. “Não somos escoteiros”, admitiu um barrabrava consultado pelo Estado.
ATAQUES - Na semana retrasada, no distrito de Gerli, no município de Lanús, na zona sul da Grande Buenos Aires,um grupo de barrabravas incendiou um carro da polícia estacionado na frente da residência de Enrique Merellas, diretor de El Porvenir, um pequeno time local. “Merellas, você morrerá!” foi uma das legendas pintadas no muro do campo do time. No ano passado o diretor do clube havia apresentado na Justiça 53 denúncias por ameaças e agressões dos barrabravas, que aumentaram desde que o time foi rebaixado à quinta divisão. “Este time é um depósito de drogas, tal como os outros clubes do país”, sustentou Merellas.
Merellas havia pedido ajuda ao governador de Buenos Aires e ao secretário da Justiça, que colocaram à sua disposição uma viatura policial para proteger sua casa. No entanto, na hora do ataque, os policiais não estavam no carro.
No mesmo dia, no norte da Argentina, na província do Chaco, a casa de Héctor Gómez, presidente do clube Chaco For Ever, da terceira divisão, foi alvo de tiros disparados por um grupo de barrabravas, irritados com sanções da Justiça que determinam que somente os sócios do time podem assistir os jogos quando o clube é anfitrião. “É muito difícil combater a violência no futebol argentino”, lamentou Gómez, que destacou que as drogas e álcool dentro de um estádio tornam “incontrolável” o comportamento dos barrabravas. Segundo Gómez, “o governo e a política usam estes rapazes”.
DITADURA E BARRABRAVAS - A Copa de 1978 na Argentina foi um divisor de águas na violência e na estrutura dos “cartolas” do futebol local. Por um lado, a truculência do regime teve influência sobre as torcidas, consolidando o crescimento dos “barrabravas”, que nos anos seguintes à copa começaram a desfrutar da cumplicidade das autoridades esportivas em suas atividades violentas. Simultaneamente, vários técnicos, jogadores de futebol e grupos de barrabravas colaboraram ativamente com o regime militar na repressão aos civis.
Meses após a final de 1978, apadrinhado pela Marinha argentina – que participava da Junta Militar – estabeleceu-se um grupo de poder no controle da Associação de Futebol da Argentina (AFA), liderado por Julio Grondona, que mantém-se no comando do futebol argentino há três décadas e meia. Grondona reelegeu-se ininterruptamente nove vezes desde os tempos da Ditadura. Octogenário, não exibia em 2014 sinais de querer se aposentar.

FONTE: Ariel Palacios fez o Master de Jornalismo do jornal El País (Madri) em 1993. Desde 1995 é o correspondente de O Estado de S.Paulo em Buenos Aires.

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