Tanto que, 24 anos após a estreia, a plateia continua lotando o espetáculo Bailei na Curva, do diretor Julio Conte. A peça estreou no Teatro do Ipê, com o grupo original formado por Júlio Conte, Flávio Bicca, Márcia do Canto, Lúcia Serpa, Hermes Mancilha, Regina Goulart, Cláudia Accurso e Cláudio Cruz.
O psicanalista, ator e diretor Julio Conte é responsável pela direção e roteiro de um dos maiores sucessos do teatro gaúcho. O espetáculo mostra a trajetória de crianças, vizinhas da mesma rua, na cidade de Porto Alegre, durante o período de 1960 a 1980. “Foi o último trabalho da ditadura militar e o primeiro da democracia, pode escolher”, ironiza Julio.
De lá até aqui foi uma longa trajetória. Quando a peça fez sua primeira aparição ainda reinava a ditadura militar no Brasil. Com o passar do tempo, foram incorporadas outras falas e adicionadas informações ao longo do roteiro: “o grande acréscimo foi nos anos 1980 pois, quando fizemos a montagem, as informações que tínhamos eram muito superficiais, não havia um distanciamento desta década, por exemplo. Há na peça a morte do Tancredo Neves”, relata Julio. Ele acrescenta que o espetáculo faz uso de vídeos para marcar as passagens de época, recurso que antes não era utilizado. O elenco, no entanto, foi o que mais sofreu alterações. “É preciso o frescor da juventude, não dá para interpretar crianças se você não for jovem”, explica o diretor. Quando a peça ganhou a primeira montagem, Julio destaca que estavam todos os perfis representados: personagens de esquerda, de direita, o filho do empresário, o pobre etc, não foi preciso recolher depoimentos, nós éramos o próprio testemunho”, afirma Júlio.
No início, o público que frequentava o teatro compartilhava as mesmas experiências com o elenco. Com o tempo, aumentou o número de espectadores, diversificando a faixa etária e classe social. Depois, os pais começaram a trazer os filhos e, agora, pessoas que nunca ouviram falar do golpe militar vão assistir a peça: “O espetáculo pode ser considerado um patrimônio didático, os professores utilizam para discutir a história do Brasil, cada folhinha do roteiro corresponde a dez capítulos da história do País”, enfatiza.
Foram mais de 1,8 mil apresentações. Segundo o dramaturgo, a encenação se popularizou pelo Brasil afora. O espetáculo passou por praticamente todos os estados do Brasil, “só não sei se foi feita do Acre”, brinca. Por conta disso, houve mais de quarenta montagens em todo o território nacional. Sem contabilizar as apresentações escolares, as clandestinas, as adaptadas, as surrupiadas, e as homenageadas por outros autores em citações e influências, de acordo com o diretor. Em 2010, quem ainda não viu este clássico tem mais uma chance: pode ver no Theatro São Pedro, no Porto Verão Alegre. E pode ser a última. “Sempre achamos que vai ser a última temporada”, ri.
Pois é, de novo Deborah
Quem já não ouviu falar do solo Pois é Vizinha, de Deborah Finocchiaro? A atriz fez a primeira montagem no Departamento de Arte Dramática da Ufrgs, para a conclusão do curso. O sucesso foi imediato, e estreou oficialmente em 1993 nos palcos gaúchos. Com 16 anos de caminhada, “o espetáculo está sempre se modificando, porque eu estou em constante transformação”, diz a atriz.
A peça toca em um assunto polêmico: a violência contra a mulher. Adaptado do texto Una Donna Sola, do casal de dramaturgos italianos Franca Rame e Dario Fo, conta a história de Maria, uma dona de casa trancafiada em casa pelo marido que é obrigada a suportar o cunhado semiparalítico e tarado, o “voyeur” do prédio vizinho, o tarado do telefone e o apaixonado professor de inglês. Um dia ela se depara com uma vizinha do prédio em frente e desabafa. “Infelizmente o espetáculo continua atual, fala sobre a hipocrisia do casamento, por isso atinge um público de todas as idades e classes”, revela.
A peça, que já ganhou diversos prêmios, também já virou um curta-metragem e percorreu várias capitais brasileiras. Nas contas de Deborah foram 527 apresentações assistidas por mais de 200 mil pessoas. “Para manter uma peça tu tem que ter autonomia, eu produzo, dirijo e atuo no espetáculo, então ele só termina se eu parar”, diz a atriz, que estreou no palco em 1985 com Senhora dos Afogados, de Nelson Rodrigues, sob direção de Luciano Alabarse.
O cenário mudou ao longo dos anos. Antes composto por painéis de madeira com uma lona cor-de-rosa, agora o palco é ocupado por tecidos coloridos e tubos PVC. “Assim é mais prático e fácil de carregar nas viagens”, diz a diretora de Anjos & Grilos - O Universo de Mario Quintana. A peça vai estar em cartaz no Porto Verão Alegre, agora em janeiro. “Quem assistiu uma vez volta para rever o espetáculo, e enquanto eu estiver com saúde, o Pois é Vizinha segue nos palcos”, declara a atriz gaúcha.
Foi preciso apenas um violino e um acordeão
Um ano depois de Bailei na Curva, é a vez de Tangos e Tragédias estrear, em 1985. O espetáculo - que engloba musical, teatro e show -, criado por Hique Gomez e Nico Nicolaiewsky traz, respectivamente, os personagens Kraunus Sang com seu violino delirante e o maestro Plestkaya, com seu acordeão de efeitos fantásticos. “Eu estava saindo da banda Saracura, o custo de uma produção era muito alto, e resolvi me unir ao Hique para fazermos arranjos de alguns tangos”, diz Nico, que começou apresentando os espetáculos em bares.
Em um total de doze músicas, com uma apresentação irreverente, os intérpretes mesclam o espetáculo com piadas e arranjos. No início, a plateia era formada por um público cativo do teatro. Depois, as pessoas que não tinham o hábito de frequentar o espaço começaram a ir acompanhados da família e amigos. “O conceito do espetáculo permanece o mesmo. Talvez os cabelos tenham se modificado, as pessoas assistem mais de uma vez e riem das mesmas piadas”, brinca Nico. Além disso, o cantor enfatiza que as músicas já eram antigas, não havia nenhuma vinculação delas com o mundo contemporâneo, “mesmo assim são sempre atuais porque falam de paixão e morte, que são inerentes ao ser humano”. Para Hique, o espetáculo, no começo, “era mais tragicomédia, hoje é uma comédia nonsense ”, revela.
Subindo no palco há 25 anos, os artistas não se cansam das apresentações. “Eu continuo me divertindo, o segredo é descobrir que tu podes fazer sempre melhor. É importante encontrar maneiras de se divertir, fazendo a mesma coisa, porque a rotina faz parte da vida”, desabafa Nico, que sempre sonhou em ter uma banda ou trabalhar com dublagem.
O sucesso é tanto que já há DVD do espetáculo. A produção foi gravada em 2004, durante uma apresentação histórica de comemoração dos 20 anos da peça, reunindo 20 mil pessoas na Praça da Matriz, em Porto Alegre.
Também está sendo produzida uma animação, com direção de Otto Guerra, inspirada na história dos personagens. A trama se passa na fictícia ilha da Sbórnia e narra os acontecimentos que fizeram com que a ilha se desgrudasse do continente. No enredo também é incorporada uma história de amor de Plestkaya, personagem do Nico Nicolaiewsky. “Quem sabe assim ganhamos mais público”, afirma Nico, que já se apresentou com a montagem em várias cidades brasileiras e na Argentina, Equador, Colômbia, Espanha e Portugal. Em 2010, o espetáculo entra em cartaz no mês de janeiro, no Theatro São Pedro, e com certeza é sinônimo de casa cheia. “Quem vai dizer que a gente deve parar vai ser o nosso corpo”, diz Nico, de 52 anos.
Se a plateia falasse...
“Quem vai acreditar em uma peça que tenha esse título?”, essa foi a primeira indagação da atriz Patsy Cecato ao conceber o texto do espetáculo Se Meu Ponto G Falasse, ao lado de Júlio Conte e Heloísa Migliavacca. “Era um nome muito de vanguarda para a época”, afirma Patsy. A peça trata com muito bom humor das confissões de duas mulheres do século XX. Dirigido por Júlio Conte, as atrizes sobem ao palco para falar de suas experiências e de pessoas próximas em relação à sexualidade, casamento, separação, conquista profissional, medo, idade, beleza e autoestima. “Desde a primeira apresentação em 1997, a plateia lotou e não parou mais”, relembra Patsy.
Para a atriz e fundadora da Cômica Produtora Cultural, um dos fatores fundamentais para um espetáculo se tornar um clássico é permanecer um tempo relativo no mesmo local, “isso ajuda a fazer a história do espetáculo”, defende. E foi isso que aconteceu com a montagem que já completou 12 anos: por quatro meses, de terça a domingo, ocupou uma das salas da Casa de Cultura Mario Quintana.
De 1998 a 2000 a peça ficou em cartaz no Rio de Janeiro e deflagrou, segundo Patsy, outros espetáculos com essa mesma temática. O assunto, polêmico na época, permanece atual: “a revolução sexual ainda não está concluída”, diz a atriz. Para ela as mulheres têm mais coragem de falar de sexo com outras mulheres do que os homens. “Serve quase como uma catarse, para talvez abrir um canal de diálogo”. O texto sofreu algumas alterações: na primeira fase chamada Cinderela, as personagens idealizam o príncipe encantado. “Quando a gente estreou ainda havia muito esse conceito da metade da laranja”, afirma. No segundo momento, Bruxa, é quando a mulher se relaciona com a separação e o desamparo a que se vê submetida.
Na terceira fase, intitulada, Loba, as personagens reagem em busca de um novo sentido para suas vidas. E na última, Profissional, as personagens descobrem seus talentos. E é justamente neste momento que são feitas as alterações, “todo ano é preciso renovar esta fase, pois são assuntos que estão na pauta do cotidiano”, afirma.
No total foram 754 apresentações com lotação de 169 mil pessoas.
FONTE: JORNAL DO COMERCIO
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