A "ética"
neoliberal se reduz às
virtudes privadas dos indivíduos. Ignora a visão de institucionalidade ética.
Assim, reforça a atitude paralisante do moralismo, que reduz a ética a uma
ilusória perfeição individual. Ora, se a sociedade é estruturada, a ética é
imprescindível para configurarmos o mundo histórico. Portanto, a ética exige
uma teoria política normativa das instituições que regem a sociedade. Como
acentua Marilena Chauí, não basta falar em ética na política. A crítica às
instituições geradoras de injustiças e negadoras de direitos exige uma ética da
política. Criar espaços de geração de novos direitos. As instituições devem
garantir a toda a sociedade a justiça distributiva - a partilha dos bens a que
todos têm direito -, a justiça participativa e a presença de todos – democracia
– no poder que decide os rumos da sociedade.
O grande desafio ético
hoje é como criar
instituições capazes de assegurar direitos universais. Isso supõe uma ruptura
com a atual visão pós-moderna, neoliberal, de fragmentação do mundo e
exacerbação egolátrica, individualista. Ainda que o ser humano tenha defeito de
fabricação, o que o Gênesis chama de "pecado original", há que se
criar uma institucionalidade político-social capaz de assegurar direitos e
impedir ameaças à liberdade e à natureza. Isso implica suscitar uma nova
cultura inibidora dessas ameaças, assim como ocorre em relação ao incesto,
outrora praticado no Egito, sem faltar os exemplos bíblicos.
De onde tirar os valores
éticos universalmente aceitos?
Como levar as pessoas a se perguntarem por critérios e valores? Hans Küng
sugere que uma base ética mínima deve ser buscada nas grandes tradições
religiosas. Seria o modo de passarmos das éticas regionais a uma ética
planetária. Mas como aplicá-la ao terreno político? Mudar primeiro a sociedade
ou as pessoas? O ovo ou a galinha?
Inútil dar um passo atrás
e fixar-se na utopia do controle do Estado como precondição para transformar a sociedade. É
preciso, antes, transformar a sociedade através de conquistas dos movimentos
sociais, e de gestos e símbolos que acentuem as raízes antipopulares do modelo
neoliberal. Combinar as contradições de práticas cotidianas (empobrecimento
progressivo da classe média, desemprego, disseminação das drogas, degradação do
meio ambiente, preconceitos e discriminações) com grandes estratégias
políticas.
É concessão à lógica
burguesa admitir que o
Estado seja o único lugar onde reside o poder. Este se alarga pela sociedade
civil, os movimentos populares, as ONGs, a esfera da arte e da cultura, que
incutem novos modos de pensar, de sentir e de agir, e modificam valores e representações
ideológicas, inclusive religiosas.
"Não queremos conquistar o mundo, mas torná-lo novo", proclamam os
zapatistas. Hoje, a
luta não é de uma classe contra a outra, mas de toda a sociedade contra um
modelo perverso que faz da acumulação da riqueza a única razão de viver. A luta
é da humanização contra a desumanização, da solidariedade contra a alienação,
da vida contra a morte.
A crise da esquerda não
resulta apenas da queda do Muro de Berlim.
É também teórica e prática. Teórica, de quem enfrenta o desafio de um
socialismo sem stalinismo, dogmatismo, sacralização de líderes e de estruturas
políticas. E prática, de quem sabe que não há saída sem retomar o trabalho de
base, reinventar a estrutura sindical, reativar o movimento estudantil, incluir
em sua pauta as questões indígenas, étnicas, sexuais, feministas e ecológicas.
Neste mundo desesperançado, apenas a imaginação e a criatividade da esquerda são capazes de
livrar a juventude da inércia, a classe média do desalento, os excluídos
do sofrido conformismo. Isso requer uma ideologia que resgate a ética humanista
do socialismo e abandone toda interpretação escolástica da realidade. Sobretudo
toda atitude que, em nome do combate à burguesia, faz a esquerda agir
mimeticamente como burguesa, ao incensar vaidades, apegar-se a funções de
poder, sonegar informações sobre recursos financeiros, reforçar a antropofagia
de grupos e tendências que se satisfazem em morder uns aos outros.
O pólo de referência das esquerdas,
em torno do qual precisam se unir, é somente um: os direitos dos pobres.
ÉTICA POLÍTICA
ÉTICA POLÍTICA
NEOLIBERAL MORALISMO PÓS-MODERNA FRAGMENTAÇÃO - UTOPIA MOVIMENTOS SOCIAIS MEIO AMBIENTE CRISE DE ESQUERDA ELEIÇÃO 2014
FONTE: CORREIO DA CIDADANIA /Frei Betto
FONTE: CORREIO DA CIDADANIA /Frei Betto
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