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terça-feira, março 23, 2010

Belo Monte sob indignação local e internacional


Dizem que o governo cuidou para que o leilão de Belo Monte não caísse em 19 de abril - 30 dias após a publicação de seu edital. O prazo ganhou mais um dia e o leilão escapou de ser marcado no Dia do Índio. Não que assim estará livre de todo constrangimento e indignação.

Após 20 anos de embates, discussões e controvérsias, e ainda que o Ibama e o Ministério do Meio Ambiente tenham dado o sinal verde para a construção no Rio Xingu daquela que será a terceira maior hidrelétrica do mundo, continua firme e forte a resistência a Belo Monte por parte da população local e dos movimentos sociais e ambientais, sejam brasileiros, sejam de diversos cantos do mundo.

Os protestos indicam que a questão está longe de ser minimamente consensual. Belo Monte, tido como o maior símbolo do PAC, periga ser também um grande emblema da faceta pouco democrática neste pedaço de história do País.

Em meados de março, por exemplo, cerca de 1.500 pessoas, entre moradores da região, integrantes de movimentos sociais agricultores e ribeirinhos, encheram as ruas de Altamira (PA) e queimaram bonecos do presidente Lula, da ministra Dilma Rousseff, do ministro Carlos Minc e de representantes das empresas interessadas na construção da barragem, como Camargo Correa, Odebrecht, Andrade Gutierrez, Vale, Alcoa e Suez.

Mas a indignação não se limita às ruas de Altamira. De Bolívia às Filipinas, do Paquistão ao México, do Canadá à África do Sul, do Chile à Groenlândia, 140 entidades da sociedade civil em defesa dos direitos humanos, indígenas, ambientais, do clima, entre outros, enviaram uma carta ao presidente Lula, ao ministro Edison Lobão e a demais autoridades brasileiras rememorando uma frase dita pelo presidente em julho de 2009. A declaração tinha sido de que "Belo Monte não seria forçada goela abaixo de ninguém".

Assinada pela organização Amazon Watch, com o endosso dessas 140 entidades, a carta pede a suspensão imediata do projeto de Belo Monte, alerta para "devastadores riscos sociais, ambientais e econômicos" e argumenta que o Brasil não precisa dessa obra para garantir a oferta de energia.

"Entendemos que esse compromisso significava que a usina de Belo Monte somente seria aprovada uma vez que as comunidades afetadas tivessem sido devidamente consultadas sobre o projeto, compreendido suas implicações e concordado com sua construção", dizem os representantes das entidades.

A carta ainda lembra que dois altos funcionários do Ibama - Leozildo Tabajara da Silva Benjamin e Sebastião Custódio Pires - chegaram a pedir demissão de seus cargos no ano passado devido ao alto nível de pressão política para a aprovação do projeto. "Fica claro que há sérias preocupações e críticas oriundas de vários grupos e figuras importantes da sociedade civil brasileira, inclusive da parte de Dom Erwin Krautler, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), e de Leonardo Boff, entre outros. Independente dessas preocupações expressas por seus compatriotas e da promessa feita anteriormente, percebemos que seu governo pretende de fato forçar Belo Monte goela abaixo das comunidades indígenas e ribeirinhas da Amazônia que são diretamente afetadas. Estamos extremamente preocupados não apenas com a decisão de construir um mega-projeto tão destrutivo do ponto de vista ambiental, mas também com a falta de ética que permeou o processo de licitação do projeto através do qual o governo excluiu a sociedade civil de qualquer debate aberto."

Segundo o documento, o povo do Baixo Xingu, que será o mais afetado pela construção de Belo Monte, foi particularmente alijado do processo de tomada de decisão. A carta cita diversos casos em que a forma como a obra de Belo Monte foi decidida fere tratados como a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, a Constituição Federal do Brasil de 1988 e o artigo 10-V da resolução 237 do Conama, que requer a consulta pública sobre as avaliações de impacto ambiental.

A represa de Belo Monte irá inundar uma área de 500 quilômetros quadrados e desviar quase todo o fluxo do Xingu para a usina na barragem através de dois canais artificiais. Segundo as entidades, esse desvio do fluxo do rio deixará sem água, peixe e transporte as comunidades indígenas e tradicionais ao longo de uma extensão de 130 km na Volta Grande do Xingu.

O rebaixamento do lençol freático poderá vir a destruir a produção agrícola da região, afetando os produtores indígenas e não indígenas, assim como a qualidade da água. A formação de pequenos lagos de água parada entre as rochas da Volta Grande propiciarão a proliferação do mosquito transmissor da malária. Estima-se que 20 mil pessoas serão forçadas a deixar suas casas, incluindo habitantes da cidade de Altamira, que será parcialmente inundada.

Investigações independentes concluíram que a avaliação do estudo de impacto ambiental do projeto é incompleta e subestima a extensão dos possíveis impactos da usina de Belo Monte. Francisco Hernandez, engenheiro eletricista e um dos coordenadores de um grupo de 40 especialistas que analisaram o projeto, duvida da viabilidade da Belo Monte e alerta tratar-se de um projeto extremamente complexo que dependeria da construção não somente de uma barragem, mas de uma série de barragens e diques que interromperiam o fluxo de água de uma extensa área e requereria escavações de terra e rochas em escala semelhante àquela necessária à construção do Canal do Panamá.

Belo Monte produzirá somente 10% da capacidade instalada de 11.233 MW de energia durante os três a quatro meses da estação seca. "Belo Monte não é um problema não somente para a população do Xingu, mas é também um péssimo investimento para o Brasil", dizem os manifestantes.

Um estudo realizado pela WWF-Brasil publicado em 2007 mostrou que, até 2020, o Brasil poderia reduzir a demanda energética prevista em 40% por meio de investimentos em eficiência energética. A energia economizada seria equivalente a 14 hidrelétricas de Belo Monte e representaria uma economia de cerca de R$33 bilhões aos cofres brasileiros.

Apesar de Belo Monte ser apresentada como alternativa de energia limpa e renovável, capaz de ajudar o Brasil a reduzir em 38% as emissões de gases de efeito estufa até 2020, as entidades alegam que a barragem emitirá grandes quantidades de metano, devido à decomposição do matéria orgânica alagada pela represa. E vai na contramão de alternativas mais limpas, como a solar e a eólica.

Segundo Christian Poirer, coordenador do programa brasileiro da Amazon Watch, não houve até o momento nenhuma resposta por parte do governo à carta. "Na verdade, não temos expectativa em obter resposta, diante do nível de diálogo muito pobre do governo com seus cidadãos, no que se refere a Belo Monte e a outros projetos controversos, como as usinas do Rio Madeira, em Rondônia", diz.

Poirer acrescenta: "Como entidades internacionais, reconhecemos que o Presidente Lula é sensível à sua imagem no exterior e queremos deixar claro que ela sofrerá danos se ele insistir em empurrar o projeto goela abaixo dos povos do Xingu".

Parece que a resposta, sim, foi dada, na forma de um leilão marcado para o dia 20.

Hora de apagar a luz

A geração de energia elétrica pesa fortemente nas emissões de gases do efeito estufa. Um ato simbólico para chamar atenção para o aquecimento global será promovido novamente este ano pela organização WWF, no dia 27 de março, em todo o mundo. Entre 20:30 e 21:30, os brasileiros podem se juntar ao movimento. E lembrar que ajudam muito combatendo o desperdício e exigindo dos mega-projetos de energia transparência e diálogo com as diversas partes da sociedade.

FONTE: Terra Magazine

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