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segunda-feira, junho 21, 2010

Abdias: Se pudessem, colocavam o negro de novo na escravidão



Defensor fervoroso do sistema de cotas raciais em universidades públicas, o ex-senador e deputado federal, Abdias do Nascimento, 96 anos, um dos líderes negros de maior expressão no país, considerou “uma coisa lamentável” as alterações no texto original do projeto de lei que institui o Estatuto da Igualdade Racial, aprovado no Senado.

Um dos pontos mais criticados foi, justamente, a retirada do trecho que falava sobre a regulamentação da reserva de vagas para a população negra na educação. O estatuto, que tramitou no Congresso durante sete anos, entra em vigor após a sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

-As cotas são absolutamente importantes. São um passo adiante da degradação que o negro tem sofrido durante tantos séculos.

Confira a entrevista

Terra Magazine – O Senado aprovou ontem projeto de lei que institui o Estatuto da Igualdade Racial. O texto original sofreu alterações, como a retirada do trecho que previa cotas para negros na educação e a criação de uma política de saúde pública para negros. O que o senhor achou das mudanças?


Abdias do Nascimento
- Uma coisa lamentável, porque se há uma população que necessita de um apoio específico em todos os sentidos, em todos os níveis das atividades nacionais são os negros. São os únicos que foram escravos. As pessoas falam que não precisa de uma proteção, mas ninguém foi escravo aqui, a não ser os africanos.

Então, na avaliação do senhor, as mudanças foram lamentáveis.

É claro. Lamentável, porque é uma injustiça a mais. Uma injustiça que se repete.

O relator do texto, senador Demóstenes Torres (DEM-GO), substituiu o termo “raça” por “etnia”, alegando que não existe outra raça além da humana.

Isso é aquela história brasileira de adoçar as coisas. Adoçam o racismo específico contra os africanos e descendentes. Isso mostra, mais uma vez, o gérmen… A alma do Brasil que manda é essa. É contra os africanos, contra os negros. Acho lamentável. Mostra que o Brasil continua o mesmo desde a escravidão. Mostra que, na verdade, ninguém queria que o negro fosse liberto. Mostra que, se pudessem, colocavam, outra vez, a escravidão.

O senhor ainda considera que a Abolição da Escravatura no Brasil não passa de uma mentira cívica e que ainda há um hiato entre negros e brancos no país?

É isso aí: uma mentira cívica. Uma “bela” mentira cívica. E ainda existe um hiato entre negros e brancos. Há dois “Brasis”: um dos brancos e outro dos negros. Sem dúvida nenhuma.

O autor da proposta, senador Paulo Paim (PT-RS), afirmou que o estatuto está longe do ideal, mas que a aprovação foi uma vitória? O senhor concorda?

Não concordo, porque é a continuidade do racismo, da discriminação, do desprezo pela herança africana. Essas leis, esses disfarces para não chamar o Brasil de racista continuam. Desculpe, mas isso é odioso e, no meu entender, vai realçar a separação, a diferença e a possibilidade dos negros terem uma integração perfeita.

Especialmento sobre o trecho que fala das cotas, que foi suprimido do texto original. O que o senhor acha sobre isso?

As cotas são absolutamente importantes. São um passo adiante da degradação que o negro tem sofrido durante tantos séculos.

FONTE: TERRA MAGAZINE

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