Negros já são maioria nas universidades, mas convivência com brancos e indianos é limitada pelas diferenças sociais e culturais
Uma grande mudança em tão pouco tempo? Nem tanto. Fundada há 88 anos, a Wits, como a universidade é conhecida, tem uma tradição mais liberal, tanto que líderes negros como Nelson Mandela e Steve Biko estudaram lá. Apesar disso, a herança do regime que o país sede da Copa do Mundo quer apagar persiste. Nas salas, pátios e quadras do enorme câmpus, os estudantes continuam separados em grupos: brancos com brancos, negros com negros e indianos com indianos – a África do Sul tem uma das maiores colônias de imigrantes indianos do mundo.
Além disso, dados do Ministério da Educação, relativos a 2007, mostram uma situação paradoxal. Os negros são maioria no ensino superior – 63%. Quando se leva em conta toda a população de 18 a 24 anos, porém, só 12% de negros e mestiços (chamados de coloured) chegam à faculdade. Participação pífia se comparada aos 43% de descendentes indianos e 54% de brancos que estão na universidade. Não há uma política de cotas no ensino superior. O acesso é baseado nas boas notas alcançadas na high school (equivalente ao nosso ensino médio).
O estudante negro Lesego Ernest Matshana, de 23, concorda com a colega. “As ações afirmativas são contraditórias e precisam ser adotadas corretamente. Não basta inserir os negros na universidade. Muitos desistem logo no 1º ano.”
Como grande parte dos alunos negros, Matshana é o primeiro da família a chegar ao ensino superior. A ONG Royal Bafokeng paga sua mensalidade, dá uma espécie de mesada para despesas pessoais e ainda 3 mil rands (aproximadamente R$ 710) por ano para comprar livros. Na classe de 15 alunos, Matshana é minoria: são 8 brancos, 5 negros e 2 indianos. Como é de Rustenberg, a 2 horas de Johannesburgo, ele mora no alojamento. “Não temos brigas, não temos mais o apartheid, mas ainda temos separações por raças. Se há uma festa no câmpus, ou vão estudantes negros ou vão os brancos. Temos um longo caminho para mudar isso.”
Prova disso é o modo com as ações afirmativas são encaradas pelos alunos indianos, por exemplo. “Aqui ocorre o reverso do apartheid, com os negros em primeiro lugar. Mesmo com notas mais baixas, eles são maioria nos cursos. Dizem que os brancos roubaram suas oportunidades e agora têm direito a tudo. Muitos brancos e indianos estão saindo do país para buscar emprego”, reclama Shenaaz Jamal, de 20, estudante de Artes, em um forte sotaque português – seus pais vieram de Moçambique. “Não acho certo. As pessoas devem ser medidas pelo seu talento. Somos todos sul-africanos.” Ela também é a primeira da família a ir para a universidade. O pai, mecânico, banca o curso, no valor de 26 mil rands (R$ 6,1 mil) por ano.
“Minha irmã fez Biologia e está tentando vaga em Medicina, mas sempre dão preferência aos negros”, diz Muaaz Gandhi, de 18, aluno de Engenharia. O pai, que também é mecânico, paga 42 mil rands (R$ 10 mil) por ano pelo curso. “Aqui é bem raro ver grupos multirraciais. As pessoas se relacionam com quem tem os mesmos gostos, estudou junto no high school ou mora perto”, diz Gandhi, que usa trajes típicos muçulmanos. Ele e Shenaaz vivem com as famílias e vão para o câmpus da Wits de ônibus.
Meio a meio
Loiro e de olhos azuis, o estudante de Direito Jarad Burger desconversa num primeiro instante. “Não é que eles não mereçam, mas é difícil encontrar emprego se você não for negro. As políticas afirmativas têm um lado bom porque os negros não puderam estudar durante o apartheid. Só que, como eles não conseguem acompanhar as aulas, a qualidade do curso cai”, diz Burger, que tem os estudos bancados pelo pai, empresário. “Não conheço nenhum aluno branco que seja mantido por ONG.”
A classe de Burger é dividida meio a meio entre brancos e negros. Mas seus amigos são todos brancos. “Tem preconceito, claro. Vivemos em uma democracia recente, há 16 anos.”
E quanto tempo vai levar para que vejamos outros grupos como eles? “Acho que umas três gerações. Mas minha irmã de 6 anos, que tem indianos, negros e brancos na classe, não vê nenhuma diferença”, diz o aluno de origem indiana Armien Narkedijen, de 19 anos.
Talvez demore menos tempo, acredita a professora Ruksana Osman, de 48 anos. “Vivemos um período bem interessante, de muitas mudanças.” De ascendência indiana, ela precisou de autorização do Ministério da Educação para fazer faculdade. Por isso, encara com naturalidade o fato de os brancos serem maioria entre os professores, principalmente os mais velhos. Vê isso como um reflexo de como a sociedade sul-africana estava organizada.
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