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segunda-feira, junho 14, 2010

Na África do Sul, uma fome que vai além de gols





Todas as noites, um terço dos 850 milhões de habitantes do continente africano vai dormir com fome. São quase 300 milhões de bocas sem terem o que comer regularmente. Desse total, há 237 milhões sofrendo de desnutrição. Somente na África do Sul, considerada a economia mais rica da região, metade da população de 49 milhões vive na linha da pobreza, com menos de US$ 2 por dia, segundo dados do Banco Mundial. Por isso, na África, aumenta o tom do discurso para que a Copa do Mundo-2010 traga mais benefícios do que saciar a fome de futebol de alto nível.

Existe preocupação na Fifa em transformar o primeiro Mundial marcado para o continente mais pobre do planeta no evento que contribua para melhorar as condições de vida locais. Trata-se de um desafio para antes, durante e depois do período da competição - entre 11 de junho e 11 de julho próximos.

No ano em que a África do Sul vai completar 16 anos de democracia, em abril próximo, ainda existem numerosos obstáculos na prestação de serviços básicos do país. Isso é causado por políticas inapropriadas, falta de implementação e de capacitação e até pela corrupção.

Corte de energia e falta d'água afetam ricos e pobres

Boa parte da população sul-africana vive em townships (guetos) erguidas nos tempos do apartheid. Separavam negros da minoria branca. Até na rica Johannesburgo e vizinhanças, ainda há dezenas de áreas em que a população não dispõe de água encanada e eletricidade. O transporte público é 90% dominado por vans e, só agora, começa a ser organizado com linhas regulares de ônibus, mas em regiões ainda restritas.

A concentração de renda continua nas mãos dos brancos e, agora, de uma nova e pequena categoria dos ricos negros. Isso não os impede de conviver com cortes quase diários de energia elétrica e a falta d'água, problemas comuns até nos bairros mais elegantes de Johannesburgo. São as dificuldades de um país que terminou 2009 com taxa de 24,3% de desemprego, aumento considerável em relação aos 21,9% de 2008. Os crimes violentos diminuíram 3% em um ano, mas os quase 50 assassinatos diários representam número inquietante. A esperança trazida pela Copa, porém, é alta.

- A Copa do Mundo vai fazer emergir uma nova África do Sul, com reflexos em toda a África. É um evento não para nós, mas de todo o continente. Nossos projetos não se limitam aos estádios. O Mundial vai voltar a atenção do mundo para nosso país e o continente - diz, ao GLOBO, Danny Jordaan, ex-ativista contra o apartheid, e, hoje, aos 58 anos, diretor-executivo do Comitê Organizador Local (COL).

No entanto, setores da sociedade sul-africana cobram o fato de o Mundial ser o momento de fazer gols pelos cuidados com a saúde, a educação e o combate à pobreza e ao desemprego.

- A ideia de que quase 3 bilhões de pessoas no mundo vão assistir à Copa do Mundo terá o significado de um ímã para aqueles sul-africanos que têm protestado contra os problemas na prestação de serviços. Os protestos sociais podem crescer - entende o professor Patrick Bond, da Universidade KwaZulu-Natal.

Há duas semanas, moradores da township de Siyathemba, em Balfour, no norte do país, montaram barricadas, atearam fogo a prédios públicos e saquearam propriedades de estrangeiros, durante três dias de protestos contra a má prestação de serviços, como água, luz, educação e transporte. Foi a repetição de atos de violência da comunidade, ocorridos em julho passado.

Geração de emprego ainda está abaixo do prometido

Enquanto o Congresso Nacional Africano (CNA), partido que domina a política desde a primeira eleição livre, em 1994, ainda alega o racismo do passado para justificar as chagas do presente, outras lideranças políticas cobram do presidente Jacob Zuma mais ações e menos desculpas e promessas 16 anos após o fim do apartheid.

- Zuma prometeu criar 500 mil novos empregos em 2009, muitos dos quais em consequência da Copa do Mundo, mas viu desaparecerem 870 mil postos de trabalho em um ano - critica a presidente da Aliança Democrática (DA), Helen Zille, candidata derrotada nas eleições de abril de 2009.

Danny Jordaan, por sua vez, classifica o Mundial como outro símbolo de transformações na nação em que o direito à liberdade é mais jovem do que seus dois filhos, uma moça de 25 anos e um rapaz de 21.

- A Copa do Mundo criou 20 mil empregos temporários só na indústria da construção civil, mas dezenas de milhares de pessoas ganharam habilidades e experiências que lhes permitirão participar de outros projetos num país que cresce. São pessoas que vieram de um regime de segregação. Em 16 anos de liberdade, a África do Sul vai sediar o maior dos eventos esportivos. Não podemos ser pessimistas - pede o dirigente.

Estudo encomendado pelo Comitê Organizador à auditoria Thornton indica que a Copa do Mundo terá um impacto de 55 bilhões de rands (R$ 13,23 bilhões) na economia sul-africana e que 8,5 bilhões de rands (R$ 2,04 bilhões) serão injetados com 483 mil turistas esperados durante o mega evento. Novos 35 hotéis são construídos nas nove cidades-sede. A geração total de empregos terá sido de 415 mil novos postos. Mas o impacto econômico é contestado por um estudo coordenado pelo Conselho de Pesquisa de Ciências Humanas na África, que considera existirem mitos na relação entre a organização de megaeventos esportivos e a capacidade de catalisar o desenvolvimento econômico.

FONTE: GLOBO.COM

À PROPÓSITO: VOCÊ ACREDITA QUE COMO CONSEQUÊNCIA DA COPA DO MUNDO A ÁFRICA DO SUL PODERÁ DIMINUIR A DISTÂNCIA ENTRE AS DIFERENTES ETNIAS E A DESIGUALDADE SOCIAL?

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