Segundo ele, existem documentos sobre a inserção dos negros como homens livres na sociedade durante o período colonial. “Os escravos alforros ingressaram na sociedade. Muitos enriqueceram e possuíram escravos”, contou. Conforme Ibsen Noronha, há notícias de que africanos também ingressaram no clero e alguns alcançaram a honra de bispo. Outros alcançaram cargo importante na magistratura.
“Falácia comum e contumaz é de projetar uma visão antropológica pessimista de maneira unilateral”, afirmou durante a exposição. Ele ressaltou que não se pode tomar como base o fato de haver desigualdade racial no Brasil em razão de raízes históricas como a escravidão. “O perigo de tomar essas proposições como premissas de raciocínio válido e verdadeiro é manifesto nas consequências possíveis. Estamos perante falácias de causalidade”, destacou, ao afirmar que as mazelas da escravidão não podem ser compensadas com as cotas.
O professor revelou que, segundo documentos históricos, no século XVI já havia negros livres no Brasil. “Nos nossos dias já está relativamente bem estudada a condição do liberto e podemos afirmar que muitos prosperaram econômica e socialmente”, disse. De acordo com ele, os números de libertos aumentaram sensivelmente nos séculos XVII, XVIII e XIX “ao ponto de, em 1888, ano da lei assinada pela Princesa Isabel, contar o Império com apenas 5% da população de escravos”.
“Um descendente de escravocrata poderá se beneficiar de uma vaga, enquanto um descendente de migração recente como, por exemplo, japoneses, italianos, poloneses, alemães, finlandeses, serão lesados, preteridos por um argumento falacioso, fundado na história”, disse, ao ressaltar que a cada um deve ser dado o que é seu sem lesar ninguém.
Segundo ela – que faz a defesa de 100 estudantes que se sentiram prejudicados pelo Programa de Ações Afirmativas adotado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) – a instituição falhou na elaboração dos editais para os três últimos vestibulares, pois não explicitou a exigência de comprovação de renda, garantindo que alunos da “elite”, por serem declaradamente negros ou pardos, conseguissem uma das vagas destinadas aos cotistas, mesmo não tendo tido bom desempenho nas provas.
Ela comparou o desvirtuamento do sistema de cotas implantado na UFRGS ao que ocorria com a antiga Lei n° 5468/1968, a chamada “Lei do Boi”, que reservava vagas nas universidades públicas para filhos agricultores. A norma vigorou durante 18 anos e, na opinião da advogada, nunca atendeu aos interesses a que se destinava, pois eram os filhos de latifundiários que ingressavam nas universidades, e não os filhos dos agricultores.
“Temo que aconteça o mesmo com as cotas sociais. Sou absolutamente a favor da implantação de programas de ações afirmativas, mas não da forma odiosa como está sendo feita no Rio Grande do Sul. Eu gostaria de ter serenidade para abordar essa questão, mas me revolta, por exemplo, ver os prédios de luxo onde moram os cotistas de Porto Alegre”, observou.
A advogada afirmou ser a favor do princípio da autonomia universitária, previsto na Constituição Federal de 1988, “mas com limites”. Segundo ela, nem todas as vagas destinadas a estudantes cotistas (15%) na UFRGS foram preenchidas, o que acarretou graves prejuízos aos alunos que realmente se prepararam para o vestibular, alcançaram as notas exigidas e se viram frustrados por não chegarem à universidade, mesmo havendo vagas disponíveis.
“Trago a lembrança dos rostos, das lágrimas dos pais desses alunos, pagando escola privada, com sacrifícios extremos, e que viram seus filhos serem privados do ensino superior por jovens que frequentaram os melhores cursos pré-vestibulares, e que estão na universidade não pelo princípio do mérito”, afirmou.
Senador Paulo Paim defende ações afirmativas para acesso ao ensino superior
“Qualquer homem de bem no nosso país sabe que o preconceito contra o negro é muito forte. Quem é negro ou negra e disser pra mim que ao longo de sua vida não tenha nenhuma vez sofrido o ato da discriminação, eu diria que está faltando com a verdade”. Com essa declaração, o senador Paulo Paim (PT-RS) iniciou seu discurso no segundo dia de debates da audiência pública sobre políticas de acesso ao ensino superior, promovida pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Para ele, as políticas de ações afirmativas e inclusão social no Brasil são fundamentais para assegurar oportunidades aos negros que, segundo ele, “sempre foram excluídos”.
O senador elogiou a iniciativa do STF de promover discussões sobre o assunto e considerou “histórica” a audiência pública. Presidente da Subcomissão Permanente em Defesa do Emprego e da Previdência Social e da Subcomissão Permanente do Idoso do Senado Federal, Paim também foi autor do texto do Estatuto da Igualdade Racial, em tramitação no Congresso Nacional.
Ele disse respeitar todos que são contra a política de cotas, e comparou os debates de hoje aos de 1888, quando abolicionistas e escravocratas discutiam a pertinência de se abolir a escravidão, o que poderia acarretar prejuízos econômicos ao país. “Agora, o debate para mim também é econômico, porque a educação liberta. É a educação que vai assegurar, efetivamente, mudanças nessa situação, onde os negros estão, sem sobra de dúvida, na base da pirâmide”, disse.
Paim também apresentou um documento elaborado pela Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, em favor da manutenção das políticas de cotas no estado. O texto é assinado por 39 deputados estaduais de diversos partidos, inclusive do Democratas, autor da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 186, que questiona, no Supremo, o sistema adotado pela Universidade de Brasília. “Pretendo mostrar que essa é uma visão não partidarizada. É uma visão de todos os homens de bem”, afirmou, ressaltando que muitos agentes públicos defendem a manutenção dos sistemas de cotas nas universidades, independentemente de filiação partidária.
Antes de finalizar seu discurso, Paulo Paim voltou a parabenizar a Suprema Corte pela iniciativa, considerada por ele como “um grande momento”, e concluiu: “Tenho certeza que todos os homens de bem deste país não vão frustrar milhares de jovens negros que não tiveram oportunidade. Acredito que a decisão deste Tribunal será a favor da inclusão, para que negros e negras também tenham acesso à universidade”.
Audiência
A audiência pública sobre políticas de acesso ao ensino superior foi convocada pelo ministro Ricardo Lewandowski, relator no STF dos dois processos que tratam do tema – a ADPF 186 e o Recurso Extraordinário (RE) 597285. Os debates estão sendo realizados na Sala de Sessões da Primeira Turma da Corte e terminam nesta sexta-feira (5).
Especialista afirma que etnicidade é uma das maiores tragédias da humanidade, ao falar contra adoção de cotas
O antropólogo e professor da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais, George de Cerqueira Leite Zarur, iniciou sua explanação na audiência pública sobre adoção de cotas para ingresso no ensino superior afirmando, categoricamente, que “a etnicidade tem sido a causa das maiores tragédias da humanidade”.
Esta foi a razão pela qual, segundo ele, tem dedicado toda sua vida acadêmica à questão da etnicidade.
Pesquisador PHD pela Universidade da Flórida e pesquisador-visitante da Universidade de Harvard, George Zarur afirmou que “assiste com apreensão a introdução de políticas raciais no Brasil", ao lembrar seus antepassados no Líbano e outros povos perseguidos por questões raciais.
“Assim como meus avós, árabes – cristãos e muçulmanos, judeus, armênios, ciganos e muitos outros povos vítimas do horror étnico, encontraram no Brasil a tolerância que não tiveram em suas terras de origem”, afirmou o professor, ao defender a diversidade e a unidade brasileira e manifestar também sua preocupação com a política de raças para as questões indígenas.
Ele citou ainda a questão dos pobres “de todas as origens e cores da pele, que “cederão seus empregos e as oportunidades de educação de seus filhos, a outros nem sempre tão pobres. Lembro em especial dos sertanejos nordestinos, como vão explicar aos favelados sertanejos que um tem direito à cota, por causa da cor da pele e outro não?”, questionou o professor.
Reparação histórica
“Não se pode distinguir as pessoas pela aparência ou pela raça”, disse o pesquisador ao citar o antropólogo Darcy Ribeiro e prosseguiu: “no que se deduz que não se aplica neste caso a regra de se tratar desigualmente os desiguais, pois seres humanos, pretos, brancos, ou quaisquer outros não são desiguais”.
Dessa forma, o antropólogo George Zarur rebateu a política de cotas raciais para o acesso ao ensino superior como forma de fazer uma reparação histórica. “O crime de racismo se combate com leis penais e não com mais crime de racismo, agravado pela co-autoria do estado que deveria coibi-lo”, criticou.
Segundo ele, a expressão “discriminação positiva representa uma contradição em termos, pois toda discriminação é negativa. É o mesmo que falar em crueldade positiva ou tortura positiva”.
Ele defendeu boas escolas públicas e cotas sociais e não, raciais, além da adoção de políticas sociais de combate à pobreza que beneficiem toda a população necessitada e não apenas uma parcela, no que chamou de “racismo travestido de políticas de estado”.
Ao concluir sua explanação, o antropólogo George Zarur falou diretamente ao Supremo Tribunal Federal, como instituição máxima do Judiciário brasileiro: “Esta Corte não julga apenas o sistema de cotas da UnB, mas a racialização que despreza a mestiçagem que forjou o povo brasileiro, afronta a dignidade do cidadão e fere a unidade nacional”.
Especialistas se posicionam contra o conceito de raça e afirmam que as cotas criam um apartheidsocial
Durante o segundo dia de audiência pública que discute a reserva de vagas em universidades públicas por critério de raça, dois especialistas se posicionaram contra o sistema de cotas por entender que o conceito de raça é equivocado, e também que criar uma lei racial seria uma forma de segregar os negros.
O professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e médico geneticista Sérgio Danilo Pena dirige um grupo de pesquisas genéticas sobre origem e estrutura da população brasileira. Ele apresentou diversas pesquisas realizadas pelo grupo e uma delas tentou elaborar um mapa genético do povo brasileiro.
A pesquisa levou em conta a ancestralidade do povo brasileiro que poderia ser dividida em europeus, ameríndios e africanos. O estudo considerou 934 brasileiros das cinco regiões brasileiras com o objetivo de determinar de onde viemos, quem somos e como isso influencia.
A conclusão foi de que quase todos os brasileiros têm as três raízes ancestrais presentes no seu genoma, considerada a mistura ocasionada pela vinda de europeus e africanos que se misturaram com os índios. Dados do próprio Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), segundo ele, mostram que o perfil de ancestralidade é extremamente similar entre os brasileiros considerados brancos, pardos e pretos.
“Não existe diferenciação. A única maneira de entender a genética dos brasileiros não é por grupos de cor, é individualmente, como 190 milhões de indivíduos únicos e singulares nas suas ancestralidades, genomas e histórias de vida”.
O especialista afirmou que do ponto de vista científico, raças humanas não existem e que não é apropriado falar de raça e, sim, de características de pigmentação da pele. E a cor da pele não está geneticamente associada a nenhuma habilidade intelectual, física e emocional. Assim, "argumentos usados pelos racistas não têm nenhuma credibilidade científica".
O especialista afirmou que os dados mostram que não existe justificativa científica para unir as categorias parda e preta em uma única categoria negra no Brasil.
Leis raciais
Em seguida, o antropólogo e professor da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais George de Cerqueira Zarur leu uma carta da professora Yvonne Maggie, antropóloga da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
A teoria defendida pela professora sustenta que o sistema de cotas adotado pelo Brasil é semelhante às leis raciais criadas em países como a África do Sul ao instituir um apartheid social.
Segundo ela, a partir dos anos 1990, alguns setores do governo brasileiro e grupos de Organizações Não-Governamentais (ONGs), ansiosos por atalhos que conduzissem a uma maior justiça, propuseram a criação de leis raciais que nos levassem mais rápido ao fim das desigualdades. O argumento é de que o racismo é um dos fatores principais da produção das desigualdades.
No entanto, em sua opinião, as leis raciais apenas incentivam o pensamento de que as pessoas não são iguais e merecem direitos individuais conforme a sua raça, e ensina que devem se definir a partir da cor da sua pele.
“Depois de divididos poderão lutar entre si por cotas e não pelos direitos universais, mas por migalhas que sobraram do banquete que continuará sendo servido à elite”, destacou.
A antropóloga afirmou ainda na carta que essas diretrizes “são, sem sombra de dúvidas, a estrela guia de um pequeno grupo de organizações não governamentais, encastelado no poder querendo impor ao Brasil políticas já experimentadas em outras partes do mundo e que trouxeram mais dor do que alívio”.
Ela defende que o movimento pró-cotas sociais não está interessado em promover a justiça social e muito menos em diminuir as desigualdades. Seu objetivo é produzir identidades raciais bem delimitadas fazendo os brasileiros optarem pelo mesmo sistema dos países que adotaram leis raciais como os Estados Unidos, Ruanda e África do Sul.
“As leis raciais não serão temporárias. Elas virão para ficar e irão se espalhar como erva-daninha, entre todas as instituições, na mente e no coração dos brasileiros, transformando-os em cidadãos diversos e legalmente definidos pela cor de sua pele”, afirmou.
A professora defende que uma política que proporcionasse acesso aos pobres, não obrigaria os estudantes a definir e a se definir pela cor da sua pele.
“Bastaria oferecer cotas para estudantes pobres porque eles são majoritariamente pobres, pretos e pardos. Com a vantagem de não carimbar em suas testas a marca da cor e o estigma que certamente lhe será imposto”, finalizou.
FONTE: NOTICIAS STF
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