Local é palco de lançamento de um livro que, além de divulgar a variedade de cultos afro-brasileiros no DF, destaca a necessidade de legitimar a escolha de credos em um país que, afinal, tem na diversidade cultural uma de suas principais bases de formação
Os tambores voltaram a tocar na Praça dos Orixás, na prainha ao lado da Ponte Costa e Silva. Eles celebraram o lançamento do livro Inventário dos Terreiros do Distrito Federal e Entorno, organizado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) do DF. O trabalho tem o objetivo de dar maior visibilidade às religiões afro-brasileiras que atuam na região da capital federal, valorizar o patrimônio cultural desses grupos e desmistificar o culto de religiões com matrizes africanas.
O encontro foi organizado para agradecer e mostrar o resultado do inventário aos dirigentes dos 26 terreiros identificados que abriram suas portas aos pesquisadores. Exemplares do livro foram distribuídos gratuitamente a todos os presentes. Mãe Railda, primeira mãe de santo a instalar um terreiro na região do DF, iniciou a cerimônia de lançamento do livro com o canto para Pai Xangô. Para ela, “é hora de os terreiros saírem dos guetos e mostrarem a cara.” Trajando um típico vestido de rendas à moda baiana e paramentada com colares e pulseiras, Mãe Railda aproveitou o encontro para oferecer acarajé, preparado por sua filha de santo, Laura Nascimento. Em pouco tempo, uma fila se formou ao redor da tenda da mãe de santo, que espera ter o seu terreiro tombado pelo Iphan. “Gastal prometeu que meu terreiro vai se transformar em patrimônio cultural de Brasília. Ele foi criado em 1969 lá em Valparaíso e, de lá para cá, vem atendendo a todos que precisam de apoio”.
Uma das principais reclamações dos adeptos da umbanda e do candomblé que participaram do lançamento do livro é a discriminação que sofrem quando manisfestam a sua preferência religiosa. E não é sem motivo. Exemplo disso foi a destruição, em 2002, de algumas das 16 estátuas dos orixás, instaladas na praça em frente à Prainha. O fato demonstra a intolerância por parte de outras correntes religiosas em relação ao culto afro-brasileiro.
Resistência
O trabalho de pesquisa do livro durou pouco mais de um ano, entre a identificação da necessidade de se fazer um mapeamento dos terreiros no DF e entorno, o trabalho de campo e a confecção da publicação. A pesquisa foi realizada pela ONG Associação Positiva de Brasília, e coordenada pelo doutor em educação Jorge Manuel Adão. As entrevistas foram feitas pelos pesquisadores Alexandre Pondes, Jarbas Renato Nogueira, Ada Dias Pinto e Tiago Gomes de Araújo. Destes, apenas o coordenador e Alexandre não são seguidores de nenhuma religião afro-brasileira — situação que, segundo Jarbas Renato, facilitou a receptividade dos pais e mães de santo.
“Cheguei a pensar, no início, que o trabalho não poderia ser feito, porque houve uma certa resistência. Mas com o tempo, o trabalho foi sendo entendido”, lembrou Renato. Mesmo assim, o inventário não alcançou todos os terreiros do DF e do entorno. Por isso, uma segunda fase já está em execução e deve resultar em outra publicação, que irá integrar o calendário de comemorações do cinquentenário da inauguração de Brasília. Segundo o coordenador dessa segunda etapa, Marcelo Reis, a previsão é de que sejam identificados mais de 50 terreiros.
Para Astrogildo Maia de Freitas, 42 anos, que trabalha como vigilante no Banco Central e há 28 frequenta o terreiro Tenda Espírita Ogum Matinata, em Ceilândia, o inventário dos terreiros tira a sua religião do anonimato. “É preciso acabar com essa visão negativa que as pessoas têm da nossa religião.” Maia conta que sua função no terreiro é a de álabe — pessoa que coleta ervas para o preparo de banhos. “Quando chegar em casa, vou me lavar, para tirar qualquer energia que possa prejudicar a mim ou à minha casa”, ensina.
Sentado à beira do lago, com sandálias de tiras brancas, brincos e piercing na sobrancelha, o estudante Igor Waldeson e seu amigo Danilo Freitas, ambos de 19 anos, observavam o movimento de barcos e pessoas brincando nas águas do Paranoá. Igor, que foi para o terreiro quando criança, sob a influência dos pais, acredita que o livro é “uma forma de dizer o que é o candomblé, e não como é. As pessoas ligam os rituais, os tambores e tudo que acontece dentro do terreiro com coisas negativas, e isso não é verdade. É preciso mais respeito e inclusão na sociedade”, alerta.
FONTE: CORREIO BRAZILIENSE
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