“A UnB criou um tribunal racial para definir quem é branco ou negro, com base em critérios secretos”, afirma. A direção da UnB rebate a afirmação dizendo que se trata de um evidente “excesso de linguagem” da advogada.
Loira de olhos claros, Roberta se tornou alvo de constantes protestos do movimento negro em Brasília. Não é por menos. Ela é uma das vozes mais agudas contra as cotas raciais. A advogada decidiu enfrentar o que chama de tentativa de segregação racial há quase dez anos, quando escolheu o tema de sua dissertação de mestrado, que foi aprovada em 2003 pela própria UnB.
O trabalho se transformou no livro “Ações afirmativas à brasileira: necessidade ou mito?”, no qual ela traça as diferenças entre a necessidade de inclusão racial nos Estados Unidos e no Brasil. Ao final da defesa da dissertação, durante a qual foi insistentemente vaiada, seu carro estava pichado: “O mérito é burrice. E você é a maior prova disso”. O “mérito” se referia ao fato de que Roberta foi aprovada no concurso para fazer mestrado na UnB em primeiro lugar.
Flor da pele
A animosidade em relação a Roberta foi o estopim para que ela entrasse com a ação no Supremo pedindo a suspensão do vestibular da UnB, em julho passado. Segundo a advogada, pouco mais de um mês antes, ela foi convidada para discutir cotas raciais na universidade ao lado do sociólogo Demétrio Magnoli. Os dois discursariam contra o sistema de cotas, depois de outros dois convidados a falar a favor.
“Não conseguimos falar. Os que defenderam as cotas expuseram com tranqüilidade, mas quando chegou nossa vez, vaias e cornetas não nos permitiram expor nada. Uma lástima. Saí de lá decidida a não aguentar mais esse maniqueísmo”, conta Roberta. O primeiro obstáculo para entrar com a ação foi encontrar alguma entidade ou partido, que podem peticionar nestes casos ao STF, que a assinasse.
A advogada conta que foi até o senador Demóstenes Torres (DEM-GO), que também é contra as cotas raciais. O senador endossou a ideia da ação. Roberta tirou férias da procuradoria do Distrito Federal, onde trabalha, para estudar a ação. No dia 18 de julho, recebeu a procuração do Democratas. Dois dias depois, entrou com o pedido no Supremo para suspender as inscrições no vestibular da UnB.
O pedido parou nas mãos do presidente do Supremo, ministro Gilmar Mendes, a quem cabe decidir as ações distribuídas em julho, quando o tribunal está em recesso. Isso foi visto como um direcionamento da ação, já que Mendes foi o orientador da tese de Roberta Kaufmann na UnB. O ministro, contudo, não suspendeu o vestibular e determinou a redistribuição da ação. O relator da causa, hoje, é o ministro Ricardo Lewandowski.
“Não houve direcionamento, tanto que o ministro Gilmar não julgou a meu favor. Houve uma coincidência de datas. A matrícula dos aprovados no vestibular aconteceria dia 23. Por isso, e porque recebi a procuração do DEM no dia 18 de julho, tive de entrar com a ação naquele período”, justifica a advogada.
Inclusão X segregação
Na ação e em seu livro Roberta Kaufmann afirma que o Brasil não pode importar um modelo pronto dos Estados Unidos e aplicá-lo sem considerar o contexto brasileiro e a realidade do País. “O modelo de ação afirmativa segue o dos EUA. Mas lá houve segregação racial promovida pelo Estado. Aqui, não. Somos orgulhosos da nossa miscigenação”, alega.
Para a advogada, o modelo brasileiro deveria incluir cotas sociais, com cortes por faixa de renda familiar e com reserva de vagas para alunos egressos de escolas públicas. Dessa forma, sustenta, as ações atenderiam à maioria da população negra, que é pobre, mas não excluiria os pobres de pele clara.
Roberta Kaufmann advoga que os brasileiros negros não chegam à universidade porque não puderam pagar boas escolas. Logo, não conseguem se qualificar para ser aprovados. E isso mostraria que, no Brasil, a desigualdade decorre por questões financeiras e sociais, não por conta da cor da pele, sustenta.
“Nos Estados Unidos as cotas raciais foram necessárias para restabelecer o equilíbrio social. Aqui, fará com que uma sociedade miscigenada comece a se segregar. Todos sabem que existe, sim, preconceito racial no Brasil. Mas as cotas podem agravar esse problema, em vez de minimizá-lo”, conclui a advogada.
FONTE: IG
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