Uma conquista celebrada por organizações sociais de todo o planeta
Doença e ‘coisa do demônio’. Eram com essas definições que a família do vendedor Adriano Rogério Cardoso, 20 anos, caracterizava sua homossexualidade. Desde que decidiu assumir a orientação sexual, aos 14 anos, para seus parentes, Adryan, como gosta de ser chamado, foi convidado a passar uma temporada em um internato evangélico em Uberlândia (MG). A instituição diz ‘curar’ gays por meio de cultos para limpar alma. “Meus familiares são todos evangélicos e ficaram chocados quando contei minha opção. Quando me procuraram para me internar, cortei na hora. Agora, em relação aos cultos realizados na minha casa, aceitei, já sabendo que não teriam qualquer efeito. Sempre fui decidido e nunca acreditei nessa história de reversão”, afirma. O relato do jovem não é exceção. Assim como ele, milhares de brasileiros e estrangeiros são submetidos a tratamentos que prometem “torná-los heterossexuais”.
Amanhã faz 20 anos que a assembleia geral da Organização Mundial de Saúde (OMS(1)) decidiu retirar a homossexualidade da sua lista de doenças mentais. Cinco anos antes da histórica decisão do órgão, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) brasileiro já tinha deixado de considerar a homossexualidade como desvio sexual. Em 1999, o CFP baixou uma resolução que reforça o tom e estabelece regras para a atuação dos psicólogos em relação à orientação sexual (leia quadro). “Foi um momento histórico e importante, com outras decisões, para proteger os direitos humanos. À época, os 16 conselhos regionais referendaram a decisão e os movimentos dos homossexuais fizeram grandes manifestações de apoio”, lembra Ana Bock, então presidente do CFP e responsável por assinar a resolução que criou as normas. Hoje secretária executiva da União Latino-americana de Entidades de Psicologia (Ulapsi), Ana explica que pode haver mal entendido no consultório. “Às vezes, os profissionais usam a palavra cura como forma de tentar resolver algum sofrimento do paciente, hetero ou homossexual”, acrescenta.
Apesar de não ter recorrido a um psicólogo, Adryan chegou a sair de casa aos 17 anos por conta da pressão familiar. “Não suportei. Eram muitas brigas. Hoje eles já me respeitam”, conta. Abandonado pelos pais biológicos desde pequeno, o jovem foi criado pelos avós paternos. “Eles são minha família, mesmo com todos os conflitos. Quando estava morando na França e soube que minha avó estava internada, voltei correndo. Atualmente, moro com eles e ninguém me pergunta nada.” A atual boa relação que mantém com os parentes diverge da época em que revelou a opção sexual. “Meu pai biológico chegou a me procurar com um revólver para me matar quando soube que eu era homossexual”, revela.
Há 20 anos, o Código Internacional de Doenças (CID) 302.0 classificava o homossexualismo como doença mental. Além da retirada da lista da OMS, o novo entendimento em relação à opção sexual também eliminou o sufixo “ismo”, que remete a enfermidade. “Foi um grande avanço. No entanto, 76 países ainda criminalizam uma pessoa LGBT (lésbica, gay, bissexual e transgênero), e outras cinco nações punem com a pena de morte”, observa o presidente da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT), Toni Reis. Segundo relatório anual da Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Intersexuais (ILGA), a pena de morte para o segmento é adotada no Irã, na Arábia Saudita, no Iêmen, na Nigéria, e em Uganda.
1 - Marcha nacional
Por conta da decisão da OMS, em 17 de maio também é comemorado o Dia Internacional de Combate à Homofobia. Uma série de atividades está sendo organizada para lembrar a data. No Brasil, uma delas é a I Marcha Nacional contra a homofobia e o I Grito Nacional pela Cidadania LGBT, a partir das 9h na Esplanada dos Ministérios. “Vamos cobrar a garantia do Estado laico (sem interferência de religião), o combate ao fundamentalismo religioso, o cumprimento do Plano Nacional LGBT na sua totalidade pelo governo federal, além da decisão favorável, pelo Judiciário, sobre a união estável entre casais homoafetivos`, adianta Toni Reis.
"A decisão da OMS foi um grande avanço. No entanto, 76 países ainda criminalizam uma pessoa LGBT (lésbica, gay, bissexual e transgênero) e outras cinco nações punem com a pena de morte"
Toni Reis, presidente da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros
Reversão censurada
Cinco processos já foram julgados pelo CFP referentes à resolução publicada em 1999. Dois foram anulados e um, arquivado. Dois psicólogos receberam censura pública por tentarem “curar” a homossexualidade. O caso mais recente foi registrado ano passado. A psicóloga Rozângela Alves Justino, com consultório no Rio de Janeiro, foi censurada pelo CFP por prometer reverter a homossexualidade. Segundo a conselheira-secretária do órgão, Clara Goldman, os psicólogos não devem se pronunciar nem participar de pronunciamentos em público que possam reforçar preconceitos sociais em relação a homossexuais.
“A orientação sexual é um direito humano. Os profissionais que infringirem essas normas correm o risco de serem processados eticamente pelo conselho. Não é uma resolução apenas para dentro da psicologia, é utilizada também como instrumento de luta para a sociedade. Tem utilidade social contra o preconceito”, esclarece.
Para Welton Trindade, diretor da ONG Estruturação – grupo LGBT de Brasília, o 17 de maio é uma importante data, que vem somar-se à luta contra o racismo, o machismo e qualquer forma de discriminação. “O ser humano deve ser respeitando integralmente. É um dia para se refletir contra todas as formas de preconceito. A homofobia causa prejuízos familiares, violência física, demissões e até assassinatos. É o momento de lembrar como é negativo esse tipo de postura homofóbica”, observa.
Nem doença nem distúrbio e nem perversão
Quase uma década depois de a assembleia geral da Organização Mundial de Saúde (OMS) retirar a homossexualidade da sua lista de doenças mentais, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) brasileiro estabeleceu, em 22 de março de 1999, normas para a atuação dos psicólogos em relação à orientação sexual. Confira, abaixo, o texto da resolução do CFP.
RESOLUÇÃO CFP N° 001/99:
# Estabelece normas de atuação para os psicólogos em relação à questão da Orientação Sexual
# O Conselho Federal de Psicologia, no uso de suas atribuições legais e regimentais,
# Considerando que o psicólogo é um profissional da saúde;
# Considerando que na prática profissional, independentemente da área em que esteja atuando, o psicólogo é frequentemente interpelado por questões ligadas à sexualidade.
# Considerando que a forma como cada um vive sua sexualidade faz parte da identidade do sujeito, a qual deve ser compreendida na sua totalidade;
# Considerando que a homossexualidade não constitui doença nem distúrbio e nem perversão;
# Considerando que há, na sociedade, uma inquietação em torno de práticas sexuais desviantes da norma estabelecida sócio-culturalmente;
# Considerando que a Psicologia pode e deve contribuir com seu conhecimento para o esclarecimento sobre as questões da sexualidade, permitindo a superação de preconceitos e discriminações.
# O Conselho Federal de Psicologia, no uso de suas atribuições legais e regimentais,
# Considerando que o psicólogo é um profissional da saúde;
# Considerando que na prática profissional, independentemente da área em que esteja atuando, o psicólogo é frequentemente interpelado por questões ligadas à sexualidade.
# Considerando que a forma como cada um vive sua sexualidade faz parte da identidade do sujeito, a qual deve ser compreendida na sua totalidade;
# Considerando que a homossexualidade não constitui doença nem distúrbio e nem perversão;
# Considerando que há, na sociedade, uma inquietação em torno de práticas sexuais desviantes da norma estabelecida sócio-culturalmente;
# Considerando que a Psicologia pode e deve contribuir com seu conhecimento para o esclarecimento sobre as questões da sexualidade, permitindo a superação de preconceitos e discriminações.
RESOLVE:
# Art. 1° – Os psicólogos atuarão segundo os princípios éticos da profissão, notadamente aqueles que disciplinam a não discriminação e a promoção e bem-estar das pessoas e da humanidade.
# Art. 2° – Os psicólogos deverão contribuir, com seu conhecimento, para uma reflexão sobre o preconceito e o desaparecimento de discriminações e estigmatizações contra aqueles que apresentam comportamentos ou práticas homoeróticas.
# Art. 3° – Os psicólogos não exercerão qualquer ação que favoreça a patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas, nem adotarão ação coercitiva tendente a orientar homossexuais para tratamentos não solicitados.
# Parágrafo único – Os psicólogos não colaborarão com eventos e serviços que proponham tratamento e cura da homossexualidade.
# Art. 4° – Os psicólogos não se pronunciarão, nem participarão de pronunciamentos públicos, nos meios de comunicação de massa, de modo a reforçar os preconceitos sociais existentes em relação aos homossexuais como portadores de qualquer desordem psíquica.
# Art. 5° – Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação.
# Art. 6° – Revogam-se todas as disposições em contrário.
Brasília, 22 de março de 1999. Ana Mercês Bahia Rock Conselheira Presidente
# Art. 2° – Os psicólogos deverão contribuir, com seu conhecimento, para uma reflexão sobre o preconceito e o desaparecimento de discriminações e estigmatizações contra aqueles que apresentam comportamentos ou práticas homoeróticas.
# Art. 3° – Os psicólogos não exercerão qualquer ação que favoreça a patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas, nem adotarão ação coercitiva tendente a orientar homossexuais para tratamentos não solicitados.
# Parágrafo único – Os psicólogos não colaborarão com eventos e serviços que proponham tratamento e cura da homossexualidade.
# Art. 4° – Os psicólogos não se pronunciarão, nem participarão de pronunciamentos públicos, nos meios de comunicação de massa, de modo a reforçar os preconceitos sociais existentes em relação aos homossexuais como portadores de qualquer desordem psíquica.
# Art. 5° – Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação.
# Art. 6° – Revogam-se todas as disposições em contrário.
Brasília, 22 de março de 1999. Ana Mercês Bahia Rock Conselheira Presidente
FONTE: CORREIO BRAZILIENSE
Nenhum comentário:
Postar um comentário