Todos estão furiosos com a Grécia, inclusive o povo
Começou como uma festa, uma marcha em massa abaixo de sol contra o programa deflacionário que, dizem ao povo grego, pode sozinho salvar o país. A praça Klathmonos, em Atenas, enchia de pessoas para o protesto. Um oficial da união fazia um discurso interminável (gregos jamais usam uma palavra quando podem usar 300), e a música saía alta das vans: O povo, unido, jamais será vencido. Não hoje, de qualquer forma.
Foi dito que não se veria violência – caso houvesse, seria violência “ritual”: uma janela quebrada, um caixa eletrônico arrombado. Um jornalista grego disse que o público estava resignado às adversidades econômicas vindouras – salários de funcionários públicos cortados em 25%, pensões em queda de 15%, desemprego que provavelmente chegará em 18% – e que reconhecia que a única alternativa era a bancarrota nacional. Não apenas títulos podres, mas um país apodrecido.
Algumas horas depois, três funcionários de um banco, um deles uma mulher grávida de quatro meses, são mortos em um agência incendiada na Rua Stadiou, vítimas de bombas anarquistas. Violência ritual isso não foi, e pelo final da tarde, Atenas parece exaurida e sem vida.
– As manifestações terão de parar por enquanto. Temos ressentimentos legítimos, mas os anarquistas estão usando a crise para seus próprios fins – me diz a professora Anna Tsiokou enquanto estávamos atrás do cordão que isola a área onde ocorreu o ataque.
Pouco antes da meia-noite na última quarta-feira, quando Atenas finalmente começa a descansar após um dia de medo e violência, tomo café com um anarquista na praça Omonia, tradicional coração dos protestos violentos na cidade. Ele se sente mal pelas mortes, mas não aceita que os anarquistas sejam culpados.
– Foi um trágico acidente – diz. – Anarquismo provoca danos materiais, não tira vidas.
Ele culpa o banco por permitir que os trabalhadores estivessem lá quando deveria ter percebido que as agências seriam alvos de protesto.
A greve geral, a participação em massa e as mortes ocorreram em meu terceiro dia na Grécia, país agora em tal crise que está sendo pintado como um pária internacional.
– Esta é a maior crise para a Grécia desde a ditadura – diz o novelista Petros Tatsopoulos. – Mas não é apenas nossa culpa. Houve uma reação em cadeia à crise que começou nos EUA há dois anos, e a Grécia era o elo mais fraco desta corrente na Europa. Os operadores do mercado financeiro apostavam na falência da Grécia.
Tatspopulos prevê severos cortes no setor público e aumentos nos impostos determinados pela União Europeia e pelo Fundo Monetário Internacional – que concederam um pacote de recuperação de 110 bilhões de euros – provocando uma crise social.
– A Grécia é um país muito caro. Os preços são muito altos, mas os salários já são baixos, e eles não poderão aguentar mais cortes nos salários. Haverá uma revolta nas ruas – acrescenta.
Esta raiva é palpável em qualquer lugar. Naquela tarde, eu sentava do lado de fora de um café quando um garçom se ofereceu para estender um toldo.
– Não, eu gosto do sol – disse. – O bom sol da Grécia – acrescento.
– É tudo que nos resta – responde ele.
Eu rio.
– Não ria – retruca o garçom. – Não temos motivação para trabalhar. Ouvimos más notícias todos os dias, e isso nos afeta de uma maneira ruim. Somos os responsáveis por isso, porque elegemos sempre as mesmas pessoas para o governo. Eles ficaram com o dinheiro, a maioria dele, e são corruptos. E agora eles nos pedem para fazer sacrifícios. Nós não roubamos o dinheiro. Meu salário aqui é de 700 euros por mês. Eu não posso pagar mais impostos ou perder meus bônus de Natal e de Páscoa.
Os gregos chamam os bônus de 13º e 14º salário, e sua retirada é frequentemente abordada em conversas.
Por que a Grécia chegou a este estado de desespero?, pergunto a Alexis Papahelas, editor executivo do jornal Kathimerini e um dos jornalistas mais conhecidos do país.
– Os políticos deixaram que o populismo dominasse. E o povo está em negação. Alguém recentemente me falou que era apenas exagero da mídia, como a gripe suína, que nada aconteceria no final. Estamos, neste momento, em processo de assimilação, e os anúncios foram o choque final. As pessoas reconhecem agora que é para valer, que vai mudar nossas vidas, e que não há como voltar. Mas alguém tem de vender a eles alguma esperança. Precisamos de uma narrativa positiva sobre como a Grécia pode sair desta situação.
No outro dia, vou à praça Syntagma, onde há uma grande multidão – estimada pela polícia em 30 mil, e pelos presente, em quase o dobro disso. Por uma hora, mais ou menos, a multidão confronta a polícia que cerca o parlamento. Assim que os anarquistas entram na praça, com a polícia os perseguindo e atirando gás lacrimogênio, a atmosfera se transforma instantaneamente.
A batalha acaba. Uma calma misteriosa descendeu, e a mortalha de gás lacrimogênio se dispersa. Esta calma peculiar em Syntagma, com turistas japoneses tirando fotos dos escombros, policiais lentamente removendo suas máscaras de gás e acendendo cigarros, e um jovem segurando um violino quebrado, precede uma tempestade que logo se abaterá, explodindo o mito de que a violência pode ser ritualizada, teatral, inocente.
Os funcionários do hotel Grande Bretagne, que adorna um lado da praça, já esfregam as pichações dos anarquistas de sua fachada de mármore, mas as vidas perdidas não podem ser recuperadas. A monumental coluna de débitos da Grécia tem agora sua mais violenta entrada.
FONTE: ZERO HORA/Tradução: Fernanda Grabauska
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